Sem medo de ser feliz - Gazeta Esportiva
Lucas Musetti Perazolli
Santos - SP
10/13/2018 06:00:58
 

Victor Ferraz entra no auditório do CT Rei Pelé e, sorrindo, cumprimenta um por um. Não se intimida com as luzes posicionadas pela produção da Gazeta Esportiva e logo senta numa cadeira para a entrevista exclusiva. E faz jus à fama de ter as melhores respostas do elenco do Santos.

O capitão mal pensa para falar – e fala bem por mais de 30 minutos, sem fugir de qualquer pergunta e com a autocrítica característica de uma das maiores lideranças do Peixe. Não há como não lamentar mais um ano sem títulos para o clube.

Ciente da frustração do torcedor, o lateral-direito acredita que a nova geração do Alvinegro sofreu tudo que tinha para sofrer na temporada e está preparada para levantar taças em 2019, provavelmente pelas mãos do paraibano de 30 anos.

“O que tínhamos que apanhar e sofrer já foi. Acredito que depois de tudo isso que passamos, chegou a hora de conquistar coisas grandes”, desabafa Victor Ferraz.

O clássico deste sábado contra o Corinthians, as mudanças com o técnico Cuca, a crise política no clube e vários outros assuntos. Confira abaixo, na íntegra, a entrevista com Victor Ferraz.

(Foto: Djalma Vassão/Gazeta Press)

Gazeta Esportiva – A semana que antecede um clássico contra o Corinthians é realmente diferente? 

Victor Ferraz – Para a torcida é diferente, rede social fica mais agitada, é diferente nesse sentido sim, mas treinamento não. Nós somos profissionais, a gente sabe que é um jogo que vale três pontos como qualquer outro. Entendemos a importância por ser jogo regional, um jogo onde nossa torcida fica agitada, mas em treinamento e trabalho não muda. Preparação é a mesma para qualquer adversário.

Gazeta Esportiva – Santos joga em casa, contra um Corinthians dividido por causa da final da Copa do Brasil e com time reserva. Dá para dizer que é obrigação ganhar? 

Victor Ferraz – Sempre que a gente joga em casa, a gente busca resultado positivo. Fora de casa também, claro, mas empates fora quando vencemos em casa fazem chegar na parte de cima da tabela. Corinthians está dividido, sabemos como é difícil, ficamos em três em alguns momentos. Não sei se dizer vantagem como a palavra certa, é clássico, mesmo com alternativos… Fizemos com Sport e ganhamos de 3 a 0. Maior vantagem é estar do lado do torcedor, que vai fazer grande festa, e esperamos corresponder.

Gazeta Esportiva – Esse pode ser um clássico simbólico por uma vitória a ser lembrada no ano que vem por causa da possível classificação para a Libertadores?

Victor Ferraz – Vou ser sincero: Não vejo o Corinthians com essa gana toda de ter vencer por ser o Corinthians. É um grande jogo, quero ganhar, mas quero ganhar do Palmeiras, do Fluminense, do Sport, todas se for possível. Jogamos bem os dois jogos, na arena em Itaquera perdemos muitos gols, criamos bastante, no outro fizemos jogo parelho no Pacaembu. Agora esperamos estar em noite iluminada. Não por ser o Corinthians, mas pelo fato do jogo poder deixar a gente a três pontos do Atlético-MG (o primeiro no G-6). Depois eles jogarão clássico com o América-MG e podemos colocar uma pressão neles. Podemos ficar perto do nosso objetivo de ir para a Libertadores.

Gazeta Esportiva – A polêmica entre Vila Belmiro x Pacaembu voltou à tona nos últimos dias. Como você vê essa discussão e onde prefere atuar? 

Victor Ferraz – Eu adoro jogar no Pacaembu, sempre deixei claro isso, mas para mim a Vila Belmiro é o melhor campo do mundo. O melhor do mundo! É onde me sinto bem, conheço cada passo, são cinco temporadas. A gente conhece bem os atalhos, como a bola virá porque é muito rápido. Pacaembu tem promessa de lotar, de mosaico… Falo para os meninos que nosso papel é entrar e dar o melhor. Temos oportunidade de fazer o final de semana deles feliz. Temos procurado fazer isso e terminar o ano de forma positiva.

Gazeta Esportiva – Muito se fala sobre a diferença que o Cuca fez ao Santos desde a sua chegada. Você, como capitão e alguém com boa leitura de jogo, vê quais motivos para essa melhora tão rápida?

Victor Ferraz – Temos que agradecer a Deus pela chegada do Cuca, agregou bastante. Jair (Ventura) também é sensacional, infelizmente o trabalho dele não foi feito da maneira que ele planejou e que nós esperávamos. Principal mérito do Cuca é extracampo. Dentro de campo dispensa comentários por tudo que conquistou, mas fora fez trabalho psicológico muito grande, trouxe confiança. Usa basicamente os mesmos jogadores fora os gringos, mas trouxe confiança, colocou os jogadores na posição exata que gosta, todos estamos à vontade. Mesmo jogando mais para frente, temos desempenho defensivo muito bom com ele. Dentro de campo, fez nossa equipe jogar mais junta. Somos mais compactos, não damos muitos espaços, andamos para frente e para trás muito sincronizados. Esses são os principais méritos dele.

Gazeta Esportiva – Além das questões técnicas, soubemos de dois fatos que fizeram com que o Cuca ganhasse o elenco rapidamente: reduzir a concentração para os jogos na Vila Belmiro para o dia das partidas e discutir com o presidente José Carlos Peres sobre o pagamento de bicho que estava atrasado. Ele é diferenciado também por essa parte extracampo?

Victor Ferraz – Cuca foi ganhando elenco com diversas situações. Essa relação de bicho, de premiação, nós tínhamos com Jair. Cuca, com jeito dele e forma diferente de bancar premiações… Mas não é por causa disso, ou que ajudou o time a jogar mais, ganhar respeito, acho que não. Ganhou respeito com atitudes, é muito ser humano, que se preocupa muito com os que não jogam. Deixou grupo homogêneo. Alguns não relacionados jogam de titular, outros daqui voltam para a seleção brasileira e alguns são cotados. Conversa bastante com todo mundo, cobra, usa muito a liderança para fazer cobrança com os mais novos. Deu muito espaço para os mais velhos e aumentou nossa confiança também. São vários fatores para criar respeito maior do que já respeitávamos.

Gazeta Esportiva – E como foi para você, o capitão, o período turbulento que o Santos viveu antes da votação pelo impeachment do presidente. E o Cuca foi importante também nesse processo de blindagem do elenco? 

Victor Ferraz – Era impossível ficar aquém de tudo que acontecia, mas é verdade, o Cuca e a nossa diretoria, Renato, Dimas, a comissão, foram sensacionais. Tem comissão que anda com ele há 15 ou 20 anos, falam sempre as mesmas palavras. Os mais velhos e os mais novos não sentiram tanto a turbulência. Outros times do nosso país passaram por esses problemas e não conseguiram jogar como a gente. E tem um adendo: Santos nunca caiu, estávamos na zona do rebaixamento, isso pressiona. Não queríamos ser a geração que deixou o Santos cair. E creio que se Deus quiser isso não vai acontecer, mas é uma pressão. Clube tantas vezes campeão, do Rei e tantos craques. Tem muito mérito de não deixar a gente se envolver com esses problemas políticos e fazer com que a gente focasse só no campo. E conseguimos.

Gazeta Esportiva – O Santos terminará a temporada sem títulos, mas para você foi um bom ano, não? Em janeiro, você foi vaiado no empate em 1 a 1 com o Ituano, quando teve uma lesão no ombro. Voltou como reserva do Daniel Guedes, recuperou a posição e agora termina o ano em alta…

Victor Ferraz – Sem dúvida foi um ano de vitória. Minha ambição é ganhar títulos, mas o torcedor e as pessoas que acompanham não podem esquecer que tínhamos um grande time em dois ou três anos. Disputamos todos os campeonatos, chegamos em todos, e por muito pouco não ganhamos. Houve reformulação grande, sabíamos que seria ano difícil. Perdemos Ricardo Oliveira, Lucas Lima, Thiago Maia, Zeca, David Braz, referências há muito tempo. Foi ano de mudança. Sabíamos da dificuldade, que o Jair teria dificuldade pelo time modificado. Agradecemos pelos reforços, agregaram bem, entenderam o que é o Santos. Para mim, tem sido ano importante para volta por cima depois de lesão e não jogar bem desde o final do ano passado. Sabia que só reconquistaria o carinho dentro de campo. Tive muitas oportunidades para sair, vários me orientaram a sair, que era talvez o melhor. Estava ali vaiado, muito criticado, machucado, mas graças a Deus fiquei e foi a decisão certa.

Gazeta Esportiva – Dorival Júnior, enquanto técnico do Santos, disse que você era o jogador mais inteligente com quem ele trabalhou. Como é ter esse “prêmio”? E você tem a noção sobre ser um atleta diferenciado, com retórica diferente da maioria? 

Victor Ferraz – É uma honra. É sem dúvida um dos melhores treinadores que eu trabalhei. Ele e a comissão técnica dele, são caras de trabalho fantástico. Fico muito feliz por escutar isso. Nas minhas entrevistas, procuro fugir dos clichês, sempre com as mesmas respostas, mesmas coisas como se jogador tivesse medo. Procuro falar o que vem no meu coração, o que realmente penso. Do dialeto, pode ser por ser evangélico há muitos anos, eu prego e falo da palavra de Deus. Acabo tendo mais facilidade e pode ser algo nesse sentido.

Gazeta Esportiva – Em 2016, muito se falava sobre a chance de você ser convocado para a seleção brasileira. Naquele momento, a dúvida era entre você e o Fagner (do Corinthians) para a reserva do Daniel Alves. Depois daquele período, Fagner ganhou chance e acabou sendo titular na Copa do Mundo da Rússia. Ficou uma frustração? 

Victor Ferraz – Eu sonho, sonho muito e poderia estar ali, mas qualquer jogador sonha, vê posicionamento de alguém e acha que poderia ser. Momento do Fagner foi propício, grande lateral, principalmente na linha de quatro, marca forte e muito bem. É meu concorrente há anos, tento desbancar ele até em prêmios individuais, é difícil ganhar dele, é regular e constante. Fico feliz por ele e é legal para futebol brasileiro ter um representante. Fez boa Copa para tirar misticismo que só os de fora servem para jogar. Futebol é dinâmico, muitos que poderiam estar aqui têm condições, mas às vezes não tem os glamour dos que estão lá fora.

Gazeta Esportiva – Você já disse em uma entrevista que cogita ser meia em definitivo no Santos mais para o fim da carreira. Você já pensa em se aposentar e tem alguma projeção para a troca de posição? Você tem 30 anos e ainda está novo, mas já dá para projetar o que fazer depois do futebol?

Victor Ferraz – Espero que eu possa jogar por muitos anos, me preparo e me cuido muito. Tenho ajuda da família quanto a isso. Meus planos são continuar na lateral por alguns anos, tenho saúde para exercer a função onde me sinto mais à vontade. Cuca muitas vezes opta por me colocar no meio-campo, a variação tática com o Daniel Guedes para enganar o adversário. Sobre quando parar de jogar, farei algo na igreja, não sei o que ainda, tem o projeto VF4 na Paraíba. Acabou virando clube, federando e algo que me deixa muito feliz, que mexe comigo. Gestão mexe comigo. Não sei se em campo, mas gestão eu gosto, estudo, procuro fazer cursos para ampliar conhecimento. Sobre aposentadoria, não sei quantos anos jogarei, se terei oportunidade de jogar até parar. Tem o Botafogo-PB, time que eu gosto, que eu torço. A torcida sempre que vou faz muita festa, pede para eu jogar lá em algum ano. Não sei se vai ser possível, mas está nas mãos de Deus. Vamos esperar o passar dos anos.

Gazeta Esportiva – Você citou a geração do Santos numa resposta anterior. Você o fim da geração de Ricardo Oliveira e companhia para o início de uma nova nova, com você entre os líderes?

Victor Ferraz – Eu acho que é uma outra geração. Mudou muito. São outros líderes, outros jogadores, são poucos daquele time de 2015 e 2016, pelo menos dos titulares. Nesse ano uma nova geração foi iniciada, e procuro bater nessa tecla no vestiário. Falo que tem que ser uma geração formada para ganhar títulos, não só para ficar no quase e conquistar vagas. Tem que ganhar. Que a gente conquiste a vaga para a Libertadores e estejamos fortes em 2019, com reforços, grupo maior e possamos bater de frente.

(Foto: Djalma Vassão/Gazeta Press)

Gazeta Esportiva – Você citou o “quase”. Esse “quase” mexe com você? Você foi protagonista na bola na trave da final da Copa do Brasil contra o Palmeiras em 2015, nesse ano daria a assistência para o Gabigol antes da arbitragem terminar o jogo nas quartas de final da Copa do Brasil contra o Cruzeiro e depois admitiu que pensou em se aposentar depois de tudo que envolveu as oitavas de final da Libertadores diante do Independiente…

Victor Ferraz – Mexer comigo não. Acho que sou muito competitivo, quero ganhar sempre. Passar ano sem ganhar mexe comigo, isso mexe. O fato de às vezes ficar no quase ou ser bola minha ou não, é indiferente, o que mexe é estar num clube desse tamanho, com essa estrutura e camisa, crescendo nas horas decisivas, e não ganhar. Gostaria de frisar que foi um ano difícil, vejo muita gente reclamando de arbitragem, formalizando dossiê e fazendo um monte de coisa, mas o Santos, independentemente de bem ou mal, no melhor momento, crescendo, hoje podemos jogar contra qualquer um. Vivemos grande momento, com grande sistema defensivo, e fomos eliminados de forma estranha em duas competições. Foi um ano para sofrer, ficar triste, poderíamos acabar de forma diferente.

Gazeta Esportiva – Você falou em sofrer. Acredita que esse sofrimento faz com que essa nova geração esteja mais amadurecida para sair do quase em 2019?

Victor Ferraz – Eu espero que sim. O que tínhamos que apanhar e sofrer já foi. Apanhar no sentido de críticas, perseguições e essas coisas. Sabemos que para ganhar não basta só isso, tem que ser mais, jogar como equipe, ter mais do que só 11, e mais que 18. Antigamente dava para ganhar com 18 bons jogadores, agora com esse calendário, ano que vem tem Copa América, então tem que ter 25 bons jogadores com condições de ganhar. Acredito que depois de tudo isso que passamos, chegou a hora de conquistar coisas grandes. Santos acertou muito em ter Renato como diretor, ele conhece nossa equipe, as carências, o que precisamos porque treina com a gente. Isso é uma vantagem para ano que vem podermos conquistar títulos.

Gazeta Esportiva – Saindo um pouco do futebol e aproveitando que você não foge de assuntos polêmicos: como vê o cenário do Brasil para o segundo turno entre Fernando Haddad e Jair Bolsonaro?

Victor Ferraz – Eu não vou aproveitar esse momento para fazer apelo político, só torço para que tenhamos um Brasil melhor, com governo idôneo, com pessoas que assumam a responsabilidade por um país com menos violência e mais empregos. Nunca houve tanto desemprego, morte, estupro. Um líder com um pouco de Deus no coração pode fazer com que nosso país seja um lugar melhor. Fui para Paraíba exercer meu voto e dar minha contribuição. Gosto de política, discuto bastante, mas aqui não é o momento para falar mais sobre isso.