Ressuscitou? - Gazeta Esportiva
Helder Júnior
São Paulo (SP)
06/20/2017 08:00:50
 

Aquele terreno de mais de 400.000 m² situado no bairro Jardim Nascente, em Itaquaquecetuba (SP), já parece um cemitério. O silêncio é quase absoluto, apesar de se tratar de um canteiro de obras. O barulho que se ouve da portaria vem do motor do carro com a reportagem da Gazeta Esportiva, agora estacionado na mesma entrada projetada para receber os rabecões alvinegros. Ali, após um e outro telefonemas, chega a autorização para o acesso ao lugar que já deveria abrigar os restos mortais de torcedores do Corinthians desde o final de 2015.

O cemitério “Corinthians para Sempre” foi idealizado pelo empresário Ricardo Pólito, um corintiano fanático e então CEO do Grupo Memorial, que já administra o Jardim Vale da Paz, em Diadema (SP), além do Memorial Parque Paulista, do Crematório Memorial e da Funerária Vale Memorial, os três em Embu das Artes (SP). A intenção era seguir o exemplo de clubes europeus com a criação de um empreendimento exclusivo para corintianos – torcedores e ídolos –, associado à venda de seguros de vida e funeral. Falou-se até em transportar a ossada de ex-jogadores como Sócrates, por exemplo, para o local, a cerca de 40 km da capital.

Os planos de Ricardo Pólito ganharam manchetes nacionais e internacionais no final de 2014. Com ampla divulgação nas mídias especializadas e em redes sociais, o “Corinthians para Sempre” logo atraiu os primeiros interessados em adquirir jazigos nas três quadras previstas para o cemitério – Minha História, por R$ 4.500,00, Minha Vida, por R$ 5.600, e Meu Amor, a mais nobre, em um espaço que simulará um campo de futebol, por R$ 7.800. Por acordo, o Corinthians, que já firmara parceria com o Grupo Memorial para a comercialização dos seguros de vida e funeral (dedicado para quem desejasse um velório temático), passou a ter participação nos lucros do novo negócio em troca da cessão da sua marca.

“Não sei te dizer como vão as vendas, as obras, nada. Não estou mais no projeto”, informou Ricardo Pólito, ao receber uma ligação da Gazeta Esportiva, dois anos e meio depois do lançamento com pompa do “Corinthians para Sempre”, quando os seguros já pareciam um produto consolidado no mercado. Solícito ao telefone, o empresário assumiu, com tom de lamentação, que o atraso considerável nas obras para a construção do cemitério influenciou na sua saída do Grupo Memorial, no segundo semestre de 2016. “Era a minha cara que estava à tapa”, reclamou o antigo diretor.

Pauletty Calfat, a serviço do Grupo Memorial “só há 17 anos”, como contou com um sorriso, herdou a incumbência de dar vida não só aos seguros, mas principalmente ao cemitério destinado a corintianos. Também em contato com a reportagem, ele preferiu tratar o desligamento de Ricardo Pólito como um “assunto interno”. “Não deu certo”, sintetizou, vagamente, antes de assegurar que o “Corinthians para Sempre” não havia ido para a cova em decorrência dos problemas enfrentados para a sua viabilização.

Mensagem de Ano Novo foi a última das redes sociais do “Corinthians para Sempre” (foto: divulgação)

O projeto, contudo, aparentava estar no limbo. As suas redes sociais, antes abastecidas com assiduidade, tiveram as últimas atualizações em 1º de janeiro, com mensagens de Ano Novo. Empresa contratada para realizar as ações de marketing do “Corinthians para Sempre”, a LinkBrand confirmou o fim do vínculo com o Grupo Memorial. “Infelizmente, esse contrato de prestação de serviços em marketing tem muitas cláusulas de confidencialidade, devido ao nível de conhecimento que tivemos. Por esse motivo, não posso arriscar mandar nenhuma informação”, justificou o consultor de marketing digital Gustavo Prates, quando procurado.

Houve quem se incomodasse com a falta de informações. Em 24 de janeiro, a seguinte queixa foi registrada no site Reclame Aqui: “Adquiri três lotes de jazigo em 13/11/2014 no cemitério que estava sendo divulgado para entrega em 31/12/2015, com período de carência de até seis meses para possíveis atrasos, em Itaquaquecetuba, Corinthians para Sempre. Passei muito estresse com a empresa ao longo desse período para ter informações, recebimento dos boletos e outros, porém agora cheguei ao limite e quero o meu dinheiro de volta. A empresa não cumpriu com o acordado em contrato e, pior, estive no local no último domingo e não existe obra em andamento. Tudo igual há um ano. Não quero mais fazer parte dessa empresa, que não cumpre com as regras colocadas por eles mesmos. Ontem, entrei em contato novamente, e, para a minha surpresa, a própria funcionária não sabe dar informações, dizendo que possivelmente ao longo deste ano a obra será entregue”. O Grupo Memorial se manifestou em 6 de fevereiro, prometendo uma solução, que veio “após as reclamações em órgãos competentes”, de acordo com a consumidora.

Irritada com a demora para a inauguração do cemitério, consumidora pediu o seu dinheiro de volta (foto: reprodução/Reclame Aqui)

Pauletty Calfat não soube precisar quantas apólices de seguro e jazigos do cemitério corintiano já estão comercializados. Na sua memória, apenas Ricardo Pólito havia adquirido três, embora o então CEO calculasse a venda de cerca de 50 no final de 2015. Seja como for, a atual gestão do “Corinthians para Sempre” se diz contrária à promoção do negócio antes de a obra enfim ser inaugurada. “Sou a favor de divulgarmos e vendermos quando tudo estiver pronto, sem pressa”, afirmou Pauletty, para quem a experiência da sua empresa no ramo é uma garantia do sucesso da empreitada. “Estamos acostumados ao processo.”

Quando conversou com a Gazeta Esportiva, o atual gestor do “Corinthians para Sempre” sugeriu uma visita ao empreendimento em meados de abril, época em que o cemitério estaria mais apresentável. A estimativa de Pauletty Calfat era de que as obras fossem finalizadas até o final do ano. O site dedicado ao projeto sofreu uma modificação, passando a coincidir com o que ele dissera: “(…) e tem a sua abertura prevista para o segundo semestre de 2017” – e não mais “para o segundo semestre de 2015”, como informava anteriormente.

Em junho, último mês do primeiro semestre de 2017, a presença de uma equipe de reportagem no silencioso canteiro de obras do cemitério do Corinthians ainda causa estranheza. Apresentando-se como braço direito do engenheiro Claudemir Leite, o almoxarife Antônio Pereira supera a sua desconfiança inicial para atuar como guia em um breve passeio pelo terreno, onde trabalha desde o ano passado ao lado de outros seis funcionários.

Iniciativa inovadora do Grupo Memorial contou com ampla divulgação à época do lançamento, em 2014 (fotos: divulgação)

O espaço que mais chama a atenção no futuro cemitério é o prédio onde serão realizados velórios e cremações. Para chegar até lá, é preciso caminhar ladeira acima pela calçada ou pelo asfalto que ainda receberão acabamento. “É claro que mexeremos aqui. Já pensou se uma senhora enfia o salto alto em um buraquinho e cai?”, alerta o precavido Antônio. No chão, as tampas de bueiro instaladas têm o distintivo do Corinthians em destaque, na ainda única referência ao clube já visível no terreno. Fotografias daquelas bocas-de-lobo, idênticas às do Estádio de Itaquera, já serviram como prova para um funcionário calar os amigos que duvidavam do seu trabalho em um produto do time do coração.

Alcançando a construção dedicada aos velórios e cremações após algumas dezenas de passos, diante de um estacionamento, é possível adentrar salas mais e menos espaçosas, que o almoxarife Antônio ainda não sabe como funcionarão. “Aí, deverão ser banheiros”, cogita, apontando para dois pequenos cômodos. Segundo o Grupo Memorial, o desenho arquitetônico daquele prédio foi uma das razões para o atraso da obra – com a troca de profissionais envolvidos na concepção do “Corinthians para Sempre” a partir da saída do diretor Ricardo Pólito, a empresa se precaveu contra processos por violações de direitos autorais e alterou alguns elementos do projeto, como o formato das janelas.

Não há muito mais para conhecer, como adianta Antônio. Afinal, as centenas de jazigos já preparadas – foram previstos cerca de 70.000 – estão sob a terra, agora gramada. “No cemitério do Corinthians, a grama também é verde. Fazer o quê? O bom é que a gente pisa nela”, brinca o almoxarife, citando a cor do rival Palmeiras. Ele não consegue precisar quando o local estará ainda mais esverdeado (os jardineiros contratados pelo Grupo Memorial são chamados esporadicamente ao canteiro de obras) e menos marrom, tonalidade da terra, predominante quando se avista ao longe. Diz que a construção avança aos poucos, mediante determinação de engenheiro e gestores.

Cemitério corintiano terá réplica de um campo de futebol, a exemplo do que ocorre no do alemão Schalke 04 (fotos: divulgação)

Com bastante experiência em edificações de supermercados nos mais variados Estados do País, Antônio confia no avançar das obras à que se dedica. “É o meu primeiro cemitério. Não tem mistério”, avisa. Já até começou a pensar no dia em que permanecerá naquele terreno do Corinthians para sempre. “Eles prometeram um jazigo para quem está trabalhando aqui. Seria bom, né? Que corintiano não gostaria disso?”, pergunta, sem receio do assunto fúnebre, animado com a chance de adquirir também um seguro de vida ou funerário. “O meu dia vai chegar, como o de todo o mundo, mas ainda demorará muito”, sorri.

Quem está cheio de vida realmente não vê problema com a demora para as ressuscitadas obras do cemitério corintiano serem entregues. É o caso de Geraldão, centroavante que defendeu o clube em 280 jogos entre 1975 e 1981, com 91 gols marcados, 24 deles no histórico Campeonato Paulista de 1977. Em 2014, ele acompanhou Ricardo Pólito como garoto-propaganda do “Corinthians para Sempre”. Compareceu a eventos promocionais e acabou premiado com um jazigo. “É claro que me lembro desse projeto do cemitério. Já está pronto?”, surpreendeu-se, curioso, ao receber uma ligação da Gazeta Esportiva.

O ídolo Geraldão foi garoto-propaganda do cemitério onde pretende ser enterrado (foto: Sergio Barzaghi/Gazeta Press)

Geraldão ainda guarda consigo o contrato que lhe assegura o direito de descansar em paz no cemitério de Itaquaquecetuba (SP). Ele gostaria que os restos mortais dos seus antigos companheiros de Corinthians também fossem para lá. “Esse é o nosso caminho. Seria bom ficarmos todos juntos quando partirmos, sem dúvida. Da minha parte, já estou muito agradecido por ter sido lembrado quando pensaram na criação desse cemitério, dos seguros. Será uma coisa boa, importante para todos os corintianos”, continuou a avalizar o ídolo, à espera de um convite para ele próprio visitar o canteiro de obras e enterrar qualquer polêmica que ainda possa assombrar o projeto.