Para não passar mais vergonha - Gazeta Esportiva
Helder Júnior
São Paulo (SP)
06/22/2017 08:00:19
 

Guy Peixoto passou a manhã de quarta-feira ansioso. Eleito em março, o presidente da Confederação Brasileira de Basquete (CBB) estava com o telefone celular em mãos durante boa parte do tempo, à espera de uma mensagem de WhatsApp que confirmasse o primeiro grande feito de sua gestão – o fim da suspensão imposta pela Federação Internacional de Basquete (Fiba) às Seleções Brasileiras.

“Mandei um secretário embarcar para a Suíça, mesmo sem convite da Fiba, para dirimir qualquer dúvida que surgisse na hora H. E foi legal porque ele participou de toda a reunião e foi me informando”, comentou Guy, com um largo sorriso no rosto, quando a notícia tão aguardada, vinda de Genebra, já havia aparecido na tela do seu telefone celular.

O presidente não fez questão de guardar segredo. Pouco depois, publicou uma extensa carta no site da CBB na qual festejava o fim da suspensão que perdurava desde novembro de 2016 e listava algumas ações do seu ainda curto mandato. A precipitação desagradou à Fiba, e o texto acabou retirado do ar por algumas horas.

Para Guy Peixoto, essa última polêmica quase nada importava. Ex-jogador de basquete com passagens por Remo, Paysandu, Monte Líbano e Corinthians, o empresário reuniu muitos dos seus correligionários de CBB para comemorar no restaurante de um hotel da Vila Olímpia, bairro da capital paulista, à tarde. Todos eles são ícones da modalidade no Brasil – os bicampeões mundiais Wlamir Marques e Amaury, os campeões pan-americanos Marcel e Marquinhos Abdalla, o técnico medalhista de bronze olímpico Antônio Carlos Barbosa, entre outros.

A Gazeta Esportiva interrompeu a celebração da cúpula da CBB para promover uma mesa redonda com os presentes. Na conversa reproduzida abaixo, Guy Peixoto e alguns dos ídolos do esporte brasileiro expuseram os problemas e as soluções para o basquete nacional deixar de ser motivo de vergonha, algo que Wlamir Marques admitiu ainda sentir.

O último grande golpe moral foi justamente a punição imposta pela Fiba no mandato de Carlos Nunes, em função de uma dívida de US$ 150 mil (R$ 500 mil, pela cotação atual) contraída para ratificar a classificação da Seleção Brasileira masculina para o Mundial de 2014. O débito ainda existe, apesar de Guy Peixoto dar muito mais importância para os “desmandos” que uma empresa de auditoria constatou na antiga administração da CBB.

Seja como for, a entidade está liberada pela Fiba para voltar a receber recursos do Comitê Olímpico do Brasil (COB), pré-definidos pela Lei Agnelo Piva, e do Ministério do Esporte, além de poder buscar patrocínios. Guy Peixoto, que chegou a tirar dinheiro do próprio bolso para atenuar os problemas financeiros da CBB, ainda pretende se reunir com Carlos Arthur Nuzman, presidente do COB, para pleitear uma ajuda de custo também com os salários de um sucessor para Rubén Magnano no comando da Seleção masculina. O novo técnico será brasileiro, até porque o argentino não deixou saudades em quem hoje determina os rumos do basquete nacional.

A felicidade estava estampada no rosto do presidente da CBB no dia em que a Fiba retirou a suspensão (foto: Fernando Dantas/Gazeta Press)

Gazeta Esportiva: Está aliviado com o fim da suspensão da Fiba, presidente?
Guy Peixoto: Sim, sim. Foi uma grande vitória para o nosso time. Desde que assumimos, esse era o principal objetivo. Sem isso, não dava para fazer nada, até porque as instituições que patrocinam o basquete brasileiro não podiam liberar as suas verbas. Foi algo essencial.

Gazeta Esportiva: Como foi o processo para a obtenção dessa liberação, desde a sua posse até hoje?
Guy Peixoto: Assumimos em uma situação caótica, né? Por mais que a gente imaginasse que encontraria problemas graves, o que vimos estava além. Essa é a verdade. Por isso, houve a necessidade de contratar uma empresa (BDO) para realizar uma auditoria minuciosa na Confederação. Eles estão conosco há 60 dias, já com bastante material, apontando desmandos que impressionam bastante em alguns aspectos.

Gazeta Esportiva: Que tipo de desmandos?
Guy Peixoto: Assim: o dinheiro que vem para a CBB do COB e do Ministério do Esporte é carimbado. Ou seja, chega um tanto destinado para o basquete masculino, outro tanto para o sub-15, para o sub-17… Você não pode pegar essa verba e utilizar para pagar passagens, jantares. Existia muita coisa errada nesse ponto.

Gazeta Esportiva: Existia corrupção?
Guy Peixoto: Até então, não posso ser leviano e falar de corrupção. Entendo que existia má administração. É o que posso falar até agora. Houve má administração do dinheiro público. Não vi nada do tipo: o cara pegou o dinheiro e depositou na conta dele. Ninguém me mostrou nada disso. Mas você tem que ser responsável com o dinheiro público. Agora, restam mais 30 dias para a empresa de auditoria encerrar o seu trabalho. E o que eles acharem… Adotaremos transparência total dos nossos atos, de tudo o que estamos fazendo. Vamos divulgar o que for apresentado.

Gazeta Esportiva: É verdade que você colocou dinheiro do próprio bolso na CBB para atenuar os problemas financeiros?
Barbosa: (Interrompe.) Colocou (risos)?
Guy Peixoto: Assim, a Confederação, com essa suspensão da Fiba, foi proibida… bloqueada…
Barbosa: Impedida!
Guy Peixoto: Isso, impedida de usar as verbas públicas que vinham do COB e do Ministério do Esporte. E os próprios patrocinadores já não contavam com o produto Seleção Brasileira para exibir as suas marcas, então não tinham por que nos patrocinar. Agora, não. A nossa empresa do basquete brasileiro, a CBB, vai começar do zero.

Gazeta Esportiva: Como você convenceu a Fiba de que o basquete brasileiro reunia condições para começar do zero?
Guy Peixoto: Estamos trabalhando nisso há três meses. Tivemos várias reuniões com eles. Estive duas vezes em Genebra. Eles nos pediram explicações de diversos pontos e, agora, no final, mostramos todo o nosso planejamento para mudar esse cenário ruim.
Barbosa: Estivemos lá no fim de abril, por três dias, e fizemos uma bela apresentação. Colaborei com a parte técnica, e o Guy falou de tudo. Pensamos que o assunto estava liquidado ali, né?
Guy Peixoto: Sim, estávamos tranquilos. Depois de todos os questionamentos…
Barbosa: E eles questionam mesmo, discutem.

Longevo técnico da Seleção feminina, Barbosa se surpreendeu com o tom inquisitório da direção da Fiba (foto: Fernando Dantas/Gazeta Press)

Gazeta Esportiva: Era um tom inquisitório?
Barbosa: Opa, opa! Perguntavam: “Por que o Brasil não obteve tal resultado?”. Só que, às vezes, o mal vem para o bem. O Brasil teve que se mexer. As seleções pararem de jogar talvez tenha sido um prejuízo irreparável, mas…
Guy Peixoto: Mas eles resolveram liberar a Confederação, com algumas restrições.

Gazeta Esportiva: Quais?
Guy Peixoto: Teremos que prestar contas semanalmente para eles. Informar tudo o que estamos fazendo.

Gazeta Esportiva: Isso é um problema?
Guy Peixoto: É claro que não vejo problema nisso. Desde o início, a nossa proposta sempre foi transparência total. Não há problema quanto a isso.

Gazeta Esportiva: Mas a dívida da CBB com a Fiba foi quitada?
Guy Peixoto: Não. Em momento nenhum, colocaram isso como um pré-requisito para conceder a liberação. Quanto a isso, eles estão tranquilos, acreditando que a nossa equipe cumprirá com os compromissos assumidos.

Gazeta Esportiva: Existe uma previsão de quando essa dívida será paga? Foi estipulado algum prazo ou houve negociação para parcelar ou abater o valor?
Guy Peixoto: Por incrível que pareça, a questão da dívida é o que menos preocupa a Fiba. Nesse sentido, eles estão sendo parceiros. Até porque a dívida, na minha opinião, é pequena perto do montante todo com que precisamos lidar na Confederação. A dívida é de US$ 150 mil (R$ 500 mil). Não é assim, Barbosa?
Barbosa: Os problemas da CBB são muito maiores do que isso, sim. Sabe qual é o maior deles? O da credibilidade perdida. Esse é o ponto principal.

Gazeta Esportiva: A falta de credibilidade afasta os jovens do esporte?
Barbosa: Nesse ponto, acho que não. Com a entrada da NBA no mercado brasileiro, você vê muitos jovens interessados pelo esporte. O basquete cresceu, sim. Foi o nosso basquete interno que… não vou dizer que se desmoralizou, mas perdeu a credibilidade. Você consegue imaginar um país como o Brasil suspenso? É um país que tem três títulos mundiais (dois masculinos, em 1959 e em 1963, e um feminino, em 1994) e cinco medalhas olímpicas (bronze com os homens em 1948, 1960 e 1964 e, com as mulheres, prata em 1996 e bronze em 2000, esta conquista com o próprio Barbosa como técnico)! É uma crueldade, não? E o Guy, felizmente, não tem responsabilidade nenhuma nisso. É bom que se diga.

Grande parceiro de Oscar Schmidt, Marcel conta com vitórias para reaver a credibilidade perdida (foto: Fernando Dantas/Gazeta Press)

Gazeta Esportiva: Como resgatar essa credibilidade?
Barbosa: Com pessoas sérias, que transmitam credibilidade e tenham competência, comprometimento e história. Se você chega com pessoas sem história na modalidade, já vem com uma perda. Que compromisso essas pessoas terão se nunca participaram efetivamente de nada? Não é o caso dessa nossa equipe que está com o Guy.
Marcel: (Interrompe.) Outra coisa, Barbosa, é resultado. Não existe credibilidade maior do que resultado. Então, vamos voltar a ter condições de produzir resultados. Tenho certeza de que eles aparecerão porque o basquete brasileiro é bom.
Barbosa: Mas, agora…
Marcel: Agora, vamos reorganizar, né? Não adianta querer fazer mágica.
Barbosa: Sim, temos que fazer o básico, o que for possível para esse final de ano. Assim, a gente vai se reorganizar.

Gazeta Esportiva: Você concorda, presidente?
Guy Peixoto: Sim. Estamos vindo de oito anos ou mais em que paramos de fazer basquete neste país. Não havia trabalho de base, de massificação do esporte. Então, a meta do nosso grupo tem que ser a medalha olímpica de 2024. Não podemos pensar fora disso. De resto, o que acontecer será um sonho antecipado. Não adianta eu dizer que vamos conquistar o Mundial do ano que vem, uma medalha olímpica em 2020. Não é assim que acontece.

Gazeta Esportiva: Mas, com o retorno das verbas, você já pode pensar na formação das comissões técnicas do Brasil, dos times de base aos profissionais. Era algo que vinha sendo adiado.
Guy Peixoto: Agora, dá! Essa pergunta passa a fazer sentido. A partir do momento em que tivermos as verbas em mãos, poderemos começar a fazer as contratações. Antes, eu não podia ser irresponsável e assumir compromissos sem ter noção do quanto de dinheiro entraria no caixa. Já há alguns profissionais selecionados. Sabendo quanto poderemos investir, conversaremos com eles e teremos definições. Até para a pergunta que todo o mundo faz: “Quem será o técnico?”.

Gazeta Esportiva: Quem será o técnico?
Guy Peixoto: Hoje, não tenho dinheiro nem para contratar o gandula.

Gazeta Esportiva: Mas você disse que já tem alguns nomes em mente.
Guy Peixoto: Dos técnicos, não. Gosto de dividir as principais decisões da Confederação com as pessoas que estão aqui, do meu lado. A escolha dos técnicos será compartilhada. Mas, antes disso, repito: preciso saber quanto dinheiro possuo para contratar.

Medalhista de prata no Mundial de 1970, Marquinhos é um dos que pensarão nos novos técnicos do Brasil (foto: Fernando Dantas/Gazeta Press)

Barbosa: Sabe o que é? Não dá para acontecer o que aconteceu nos últimos anos, com vários profissionais – fisioterapeutas, médicos, técnicos… – ficando sem receber. Hoje, estão todos aí, querendo receber.
Guy Peixoto: Exatamente. Não vou assumir um compromisso além daquilo que posso pagar.
Marquinhos: (Entra na conversa.) Guy, a partir de agora, você fica com a cabeça mais leve para pensar no que realmente fazer. Antes, era impossível.
Guy Peixoto: Pode ser até que, em uma emergência, tenhamos que tomar a decisão de contratar técnicos interinos. Agora, ficamos…
Barbosa: Seriam contratados por tarefa, né? Você diria: “Olha, vai lá, ganha essa competição e acabou”.

Gazeta Esportiva: A ideia de contratar técnicos interinos já havia sido planejada anteriormente ou foi algo cogitado a partir da liberação da Fiba?
Guy Peixoto: Começamos a pensar de ontem para hoje. É óbvio que eu acreditava na liberação, mas podia ser que eles resolvessem adiar. Agora, estamos com uma Seleção Brasileira em vias de jogar, já em agosto. Se não tivermos tempo para decidir um nome com calma, aí…. até eu posso ir lá e ser o técnico. Ou o Barbosa, o Marquinhos, o Marcel… Não sei. Mas talvez esse seja o caminho para que a Seleção possa jogar as próximas competições.

Gazeta Esportiva: Imagino que o período sem treinadores tenha representado uma economia considerável de salários para a CBB. Você tem ideia do quanto já enxugou do orçamento mensal em relação à gestão passada?
Guy Peixoto: Ah, cortamos mais de R$ 180 mil por mês só de salários. É claro que precisaremos reativar alguma coisa disso com as contratações das diretorias técnicas, mas certamente gastaremos menos do que antes.

Gazeta Esportiva: Como conciliar essa política de retenção de gastos com alguns projetos da sua gestão, como a construção de um centro de treinamento em Jundiaí?
Guy Peixoto:
O CT de Jundiaí é um negócio para mais à frente. Já temos um CT provisório em Campinas, com um contrato de dois anos. Paralelamente, existe esse projeto com a Prefeitura de Jundiaí, que não é um sonho, mas algo real, para estar pronto em dois anos. Hoje, vamos contar com o que já temos em Campinas, onde iniciaremos os treinamentos. Você já trabalhou lá, né, Barbosa?
Barbosa:
É um belo ginásio. Estive lá durante três meses com o nosso time feminino. O lugar é excepcional, não deixa nada a desejar. Tem uma academia perfeita, muito moderna, de onde você sai e já está na quadra. Em termos de logística, também é tudo muito perto em Campinas.
Guy Peixoto:
É questão de administração. Antes, tínhamos um depósito no Rio de Janeiro que custava R$ 8 mil por mês. Agora, assumimos um CT que custará de R$ 12 mil a R$ 15 mil. Quer dizer, R$ 10 mil. Não estou onerando quase nada. Sem contar os muitos gastos que cortamos.
Barbosa:
Só R$ 2 mil de diferença, de um depósito para um CT!

Wlamir Marques está cansado de falar das vergonhas que o basquete brasileiro lhe trouxe (foto: Fernando Dantas/Gazeta Press)

(Wlamir Marques aparece, puxa uma cadeira e cumprimenta os presentes.)
Guy Peixoto: Olhem aí o nosso campeão mundial!
Wlamir Marques: Bicampeão mundial!
Guy Peixoto: Desculpe, bicampeão (risos).
Wlamir Marques: Vim até a conversa para não dizerem que sou cheio de frescura. Sabe o que é? Só participo profissionalmente desses papos. Vamos lá: qual é o assunto? É do passado da Confederação? Se for do presente, a gente fala.

Gazeta Esportiva: Vamos falar do futuro, então. Como vocês receberam a notícia de que o basquete 3×3 se tornou um esporte olímpico? Será mais uma preocupação para a CBB.
Guy Peixoto: É uma novidade bacana, uma surpresa agradável. E temos um departamento muito forte de basquete 3×3 dentro da Confederação, o que nos deixa muito tranquilos, além de sermos vice-campeão mundiais no masculino sub-18 (O Brasil de Fabrício Veríssimo, Felipe Franklin Santos, Luiz Felipe de Paulo Silva e Marcelo Pires Duro foi derrotado pelo Catar na final do Mundial de 2016, no Cazaquistão).

Gazeta Esportiva: Talvez as primeiras conquistas da sua gestão apareçam antes no 3×3 do que na versão tradicional do basquete?
Guy Peixoto: Pode ser, sim.
Barbosa: Daqui a pouco, os outros países vão correr atrás do prejuízo. A partir do momento em que um esporte vira olímpico, todo o mundo quer jogar. Mas acho que estamos à frente.
Guy Peixoto: Realmente, estamos muito bem no 3×3 masculino. É algo a se explorar, que envolve a periferia, a molecada. Já doamos um caminhão itinerante para montar uma quadra em praças e incentivar a prática do esporte. É um caminho longo.

Gazeta Esportiva: Tão longo quanto fomentar a base do basquete tradicional? A geração de Nenê, Leandrinho…
Guy Peixoto: Então, é claro que vamos nos preocupar com os times adultos, que são a nossa referência, mas o foco tem que estar no sub-13, no sub-14, no sub-15, categorias em que vamos bem, por incrível que pareça. É que, lamentavelmente, não estivemos nas últimas competições por conta da suspensão da Fiba. Mas a Argentina, felizmente ou infelizmente, também teve uma queda.
Barbosa: Teríamos duas equipes fortes, a masculina e a feminina, no Mundial sub-19. A feminina tinha sido vice-campeã da América. Infelizmente, não foi possível estar lá.
Wlamir Marques: Mas, até mais à frente, o nosso querido presidente já ajeitou as coisas.

Gazeta Esportiva: É possível esperar ajustes também em quadra já na Copa América, em agosto?
Guy Peixoto: Você sabe que temos um problema de calendário. Para as próximas competições, não poderemos contar com os jogadores que estão na NBA e no Campeonato Espanhol. Só que também há vários jogadores surgindo aqui, no NBB.
Wlamir Marques: Mas a NBA já não acabou?
Barbosa: Será igual ao futebol, Wlamir, com janelas para os jogadores serem convocados.
Wlamir Marques: Aproveitando o tema, vou dizer uma coisa para vocês: tenho uma crítica muito grande em relação à postura da Seleção nesses campeonatos classificatórios. É preciso mudar a mentalidade, Barbosa, de que vamos lá para nos classificar. Não, não. Vamos lá para ganhar!
Barbosa: Sempre pensamos em ganhar!
Wlamir Marques: Mas ficamos satisfeitos porque nos classificamos, pô! E acontece de não conseguirmos nos classificar nem em quarto lugar.
Barbosa: Não, temos nos classificado.
Wlamir Marques: Deveríamos ganhar! Mas, para ganhar, você precisa levar o que tem de melhor.

No seu tempo de jogador, o corintiano Wlamir não via a recusa de atletas à Seleção Brasileira (foto: acervo/Gazeta Press)

Gazeta Esportiva: O relacionamento com os jogadores que estão na NBA é um problema nesse sentido?
Barbosa: Para ganhar, sabe qual é o problema? Os Estados Unidos competem. É difícil falar em primeiro lugar assim.
Wlamir Marques: Mas, Barbosa, os Estados Unidos geralmente já estão classificados nesses torneios classificatórios. Vou citar o meu exemplo. Quando tinha um Sul-Americano, era o time principal que disputava.
Barbosa: Hoje, nós vamos com o time principal. Tentamos, né? Às vezes, são os caras que não querem vir.
Wlamir Marques: Segundo o nosso ex-técnico (refere-se ao argentino Rubén Magnano), chegamos a disputar com a terceira equipe. Não pode ser assim.
Barbosa: E a situação ficava cômoda para ele. “Não tenho os melhores, então sou o 12º, o último.”
Marquinhos: Esperem aí. Existe outro ponto. Como eles não querem vir e a Confederação não faz nada? Pelo amor de Deus, né, Barbosa? Os caras não querem vir, e você deixa os caras não virem?
Wlamir Marques: A Argentina fazia isso. Levava para as competições consideradas inferiores a sua segunda equipe. E os Ginóbilis da vida (Emanuel Ginónili é um dos astros da geração campeã olímpica da Argentina) iam para os grandes campeonatos.
Barbosa: Depois que o cara vai para a NBA, Wlamir, você perde o controle sobre ele. Infelizmente, é assim. Quantos países jogam desfalcados?
Wlamir Marques: Mas você não pode perder só porque não tem jogadores da NBA! Não pode perder para, para…
Barbosa: Para a Jamaica! Concordo. Para a Jamaica, para o Uruguai, para o Panamá com aqueles velhos barrigudos jogando (risos)…

Gazeta Esportiva: Qual é o motivo para essas derrotas?
Marcel: Aí, você entra naquele negócio do treinamento. Por que o cara foi campeão olímpico e vice-campeão mundial (fala de Magnano, medalhista de ouro em 2004 e derrotado pela Iugoslávia na decisão do Mundial de 2002, pela Argentina) vai fazer o treino do jeito que quer? Algumas coisas não são adaptadas ao jogador brasileiro. Ele vem aqui, faz um tipo de treino, e o cara fala: “Está louco?”.
Barbosa: Esse é o problema do técnico estrangeiro! Ele descaracteriza o jogador brasileiro.
Wlamir Marques: Estamos falando do Magnano, né? Vamos dar o nome. Desde o primeiro dia até o último…
Barbosa: Eu também fui contra, também fui contra, também fui contra. Nunca escondi isso. É uma questão cultural.
Wlamir Marques: Em uma das últimas seleções dele, vários jogadores pediram dispensa, e ele levou os que sobraram. Havia cinco armadores, caramba. Fizesse uma nova convocação, então, e completasse com o que precisava. Se não veio um ala, vamos convocar um ala. Mas, não. Chamaram de última hora aquele pivô de Pernambuco, o JP Batista, para completar os 12 atletas. E é lógico que isso não vai mais acontecer na Seleção Brasileira. (Na edição de 2013 da Copa América, na Venezuela, o Brasil acabou eliminado na primeira fase após derrotas para Porto Rico, Canadá, Uruguai e Jamaica. Como o torneio era classificatório para o Mundial da Espanha 2014, o País precisou recorrer a um convite da Fiba, gerando a dívida que perdura até hoje.)

Último técnico da Seleção, Magnano está processando a CBB e foi duramente criticado pelos gestores atuais (foto: Sergio Barzaghi/Gazeta Press)

Gazeta Esportiva: Como evitar, presidente?
Guy Peixoto: Estamos com o tempo apertado, né? Se não me engano, o time feminino jogará a Copa América já na primeira semana de agosto. O masculino, no final do mês. Temos 15 dias de reuniões pela frente, em que tomaremos algumas decisões importantes. E o mais difícil: sem verba para trabalhar. Tenho a verba carimbada para as seleções, o que é bom, mas não para falar com técnicos e comissões. Precisarei voltar a conversar com o presidente Nuzman (Carlos Arhur Nuzman, mandatário do COB), para ver se ele abre o cofre. Estou aprendendo como tudo funcionava. Quem pagava o técnico da Seleção Brasileira era o COB.
Barbosa: Quem pagava o Magnano (Barbosa era o técnico da equipe feminina).
Guy Peixoto: Já fiz essa solicitação para o pagamento continuar, e houve um sinal de que o COB estaria conosco. Voltarei lá agora. As pessoas precisam ser remuneradas, né? É claro que existem os apaixonados pelo basquete para nos ajudar – tenho vários deles ao meu lado –, mas há um limite.

Gazeta Esportiva: Já ouvi você dizer que também desconhecia os gastos extras mensais da CBB com o Magnano.
Guy Peixoto: São coisas que vou descobrindo aos poucos. Além da remuneração do COB, a Confederação bancava algumas despesas pessoais dele, como apartamento e carro. Não tenho os detalhes de tudo. Falam que ele está entrando com uma ação contra a Confederação, mas isso ainda não chegou até nós.
Wlamir Marques: Mas, olha, deixando isso um pouco de lado, vocês, da Gazeta Esportiva, estão de parabéns. Deve ser a primeira vez na história recente do jornalismo em que estamos vendo um encontro assim, esse tipo de entrevista. Todo o mundo aqui na roda está afim, querendo ajudar o basquete brasileiro.
Guy Peixoto: Somos pessoas do basquete, né?
Wlamir Marques: Todo o mundo é independente. Aqui, não tem propina!
Guy Peixoto: É isso aí. Sendo mais claro e objetivo: não tem corrupção. Estamos nos doando. Eu não tenho salário. Ao contrário, estou bancando muitas coisas. A história é inversa.
Wlamir Marques: Tenho o defeito muito grande de não esconder o que penso, mas o que temos aqui é fantástico: grandes nomes do basquete brasileiro ao lado da Confederação. Está aí o Marcel, uma lenda do nosso basquete brasileiro,…
Marcel: Treinado pelo nosso Wlamir Marques.
Wlamir Marques: … o Barbosa, que tem um saco do tamanho de um bonde para aguentar algumas coisas do basquete feminino, o Marquinhos, esse presidente maravilhoso…
Guy Peixoto: O Amaury também estava aqui, mas teve que ir embora mais cedo. O nosso time é grande. Somos ex-jogadores apaixonados, que estão trabalhando em prol do basquete, e não para se beneficiar do basquete. Viemos assumir a nossa grande paixão.
Wlamir Marques: Ninguém é aventureiro aqui. Os elogios que faço são autênticos. Não tenho holerite para falar. Vamos vencer, se Deus quiser!

O vôlei é parâmetro para o presidente da CBB vislumbrar uma medalha nos Jogos de 2024 (foto: Fernando Dantas/Gazeta Press)

Gazeta Esportiva: Vocês não temem que, se as vitórias não vierem inicialmente, o trabalho acabe sendo prejudicado por pressão externa?
Guy Peixoto: As pessoas imaginam resultados imediatos, mas isso não tem como acontecer. Não vai acontecer. Até espero alguma coisa, mas não somos milagreiros. São muitos anos de desmandos. Por enquanto, já estou feliz por ter visitado alguns possíveis patrocinadores – empresas, bancos – e visto o quanto o basquete é querido. São mais de 3 milhões de praticantes. Por mais que o vôlei tenha mais títulos, o nosso esporte é mais visto. Isso está muito claro. Por isso, haverá questionamentos em cima de eventuais derrotas. Só que o nosso projeto é para longo prazo, com transparência total, principalmente mexendo com dinheiro público. Temos que ajudar a mudar essa cultura no Brasil.
Wlamir Marques: É claro. Ninguém é aventureiro aqui. É tudo gente que saiu das quadras.
Marquinhos: Você consegue imaginar um Wlamir saindo da linha? Um Marcel? Um Barbosa? Não tem condições. É um negócio muito sensível. São mais de 30, 40 anos de basquetebol nesta mesa. Pode olhar ao seu redor. O respeito pelo esporte é muito grande.

Gazeta Esportiva: É esse sentimento que motiva o grupo de vocês a levar adiante uma entidade desacreditada?
Wlamir Marques: Sabe o que é, meu querido? Eu não quero mais sentir vergonha de dizer que sou do basquete. Porque, quando você fala que é do basquete, já ouve uma crítica logo em seguida.
Guy Peixoto: É isso aí. Você resumiu tudo o que conversamos até agora, Wlamir, tudo o que fizemos nesses 90 dias de gestão. Não vou ser unanimidade nunca, mas já aviso que também cheguei para ficar só os quatro anos do mandato. Pode gravar, que o bicho do poder não vai me picar. Não tem essa de reeleição.
Wlamir Marques: Está tudo certo. Só essa sua comparação com o vôlei que não dá. Primeiro, não há uma rede que nos separe no basquete. Não dá para comparar. Não tem confronto físico lá, sabe?
Barbosa: Ele está afiado hoje (risos).
Guy Peixoto: Vamos em frente, Wlamir!