O pulo do gato - Gazeta Esportiva
Helder Júnior
São Paulo (SP)
03/01/2017 08:30:02
 

Carlos Alberto bem que poderia ser cinco anos mais jovem, como alegava no início da carreira. Com a mesma aparência de quando ganhou projeção nacional a serviço do Corinthians, há uma década, o volante do Brusque assegura que ainda tem vitalidade para correr pela lateral direita como um garoto. A autopromoção será colocada à prova na noite desta quarta-feira, quando ele enfrentará o ex-clube pela segunda fase da Copa do Brasil, no Estádio Augusto Bauer.

O jogo contra o Corinthians é considerado “histórico” por Carlos Alberto. Foi o clube do Parque São Jorge que o reabilitou emocionalmente para o futebol após um escândalo de adulteração de idade que ganhou as manchetes dos jornais em novembro de 2006 – o atleta nasceu em 24 de janeiro de 1978, e não em 1983, como constava nos seus documentos. Achincalhado na época, ele estava em alta no Figueirense – a ponto de ter despertado o interesse do São Paulo em sua contratação – e contabilizava até o título mundial sub-20 pela Seleção Brasileira no currículo.

No Corinthians, Carlos Alberto voltou a enfrentar dificuldades. O volante integrou aquele que talvez seja o pior time da história do clube e não conseguiu evitar o rebaixamento à Série B em 2007, apesar de ter feito a assistência para o gol do centroavante Clodoaldo no inútil empate por 1 a 1 com o Grêmio, em Porto Alegre, na rodada derradeira do Campeonato Brasileiro. No ano seguinte, foi um dos poucos atletas mantidos pelo técnico Mano Menezes para a disputa da segunda divisão. E ainda balançou as redes pela primeira e última vez como corintiano, contra o Botafogo, nas semifinais da Copa do Brasil, produzindo o suficiente para passar por Atlético-MG e Goiás na sequência da carreira.

Hoje, aos 39 anos, Carlos Alberto espera voltar a chamar a atenção por causa do Corinthians, agora como adversário. Nesta conversa por telefone com a Gazeta Esportiva, o veterano meio-campista avisou mais de uma vez que aguardará ligações também de clubes dispostos a contratá-lo após o confronto válido pela Copa do Brasil. Animou-se até com a hipótese de dar um pulo do Brusque para o Grêmio Osasco Audax. O clube paulista é presidido por Vampeta, seu ex-companheiro, que contratou recentemente o zagueiro Heltton Matheus – famoso por ter sido flagrado como gato na última participação do Paulista na Copa São Paulo de Juniores.

Gazeta Esportiva: Enfrentar o Corinthians será especial para você?
Carlos Alberto: Ah, é diferente, né? Já faz alguns anos que não encontro o Corinthians. A chance apareceu agora, na Copa do Brasil. É o time que me contratou [em 2007] e em que fiz uma boa temporada em 2008. Estou feliz. Agora, vestindo a camisa do Brusque, terei um jogo histórico para disputar.

Gazeta Esportiva: Da sua parte, existe um sentimento de gratidão em relação ao Corinthians, por ter sido o clube que apostou em você após toda aquela polêmica como gato?
Carlos Alberto: Ô! Demais, mano! O Figueirense [clube que Carlos Alberto defendia quando foi descoberto como gato] também renovou contrato comigo e me ajudou muito. Depois, apareceu o Corinthians, um time grande, velho, querendo me contratar naquele momento. Pô, agradeço muito mesmo, sabe? Até torço para os caras, porque me ajudaram muito.

Gazeta Esportiva: Lembro que, quando surgiu a notícia de que você era gato, o São Paulo estava próximo de acertar a sua contratação. Foi melhor ter ido para o Corinthians?
Carlos Alberto: Ah, o São Paulo teve o interesse quando eu era gato ainda, né? Aí, veio o Corinthians e me contratou. Eu tinha 26 anos [29, na verdade, já que foi contratado em 2007 e nasceu em 1978], então estava com gás ainda. Assim, agradeço bastante ao Corinthians. Dali, fui para outros times grandes, o Galo [Atlético-MG] e o Goiás. Sou muito agradecido, de coração.

Gazeta Esportiva: Hoje, dez anos depois, o caso de gato já é algo resolvido para você? O que sente quando pensa em tudo o que aconteceu?
Carlos Alberto: É difícil. Você está no interior, sem ter uma oportunidade de ir para outro lugar de uma forma normal. Aí, chega um cara, te vê e chama para fazer aquilo. É… Mas Deus é maravilhoso e abençoou a mim, a minha esposa, o meu filho e os meus amigos. Foi graças a Ele que dei a volta por cima. Errei naquele momento, mas acho que também fiz o bem para bastante gente com as cestas básicas [para reverter uma punição de um ano de suspensão, o atleta precisou enviar 100 cestas básicas no valor de R$ 100 cada para uma instituição filantrópica, a Cooperativa de Trabalho de Esportistas Práticos], e o Corinthians me ajudou com isso também. Só tenho a agradecer a Deus por estar jogando até hoje. Você vê: estou com 39 anos agora e continuo atuando em alto nível.

Volante se sentiu aliviado com a oportunidade de defender o Corinthians após caso de gato (foto: Marcelo Ferrelli/Gazeta Press)
Volante se sentiu aliviado com a oportunidade de defender o Corinthians após caso de gato (foto: Marcelo Ferrelli/Gazeta Press)

Gazeta Esportiva: Você voltou a ter contato com essa pessoa que te incentivou a adulterar a idade?
Carlos Alberto: Não, não. Nunca mais falei com ela. Perdi contato completamente.

Gazeta Esportiva: Como foi o processo de adulteração da sua idade? Você era jovem na época, e essa pessoa…
Carlos Alberto: É, pô. É complicado, né? Não pensava que daria esse tumulto todo. Eu morava na roça [Rio Bonito-RJ] e não sabia das coisas. Mas… é isso aí.

Gazeta Esportiva: Você deve ter acompanhado o caso do gato do Paulista de Jundiaí, na última Copa São Paulo… [O zagueiro Heltton Matheus, de 22 anos, disputava o torneio sub-20 com o nome e a idade do amigo Brendon Matheus, preso no Rio de Janeiro e três anos mais jovem; a equipe do interior paulista acabou eliminada por causa da fraude.]
Carlos Alberto:
É… Então, é chato, velho. As pessoas não sabem, mas existe muita coisa errada no nosso meio. Ninguém vê que são os caras que estão fora que chegam até os meninos e empurram aquela facilidade. Aí, fica difícil.

Gazeta Esportiva: O Vampeta acabou arrumando um emprego para o menino no Grêmio Osasco Audax. Vocês jogaram juntos no Corinthians, não?
Carlos Alberto: Jogamos, pô! O Vampeta é parceiro demais, gente boa, um cara do bem. O que ele fez foi bom para o moleque, que tem futuro. É um jogador que também veio de uma família humilde. Você pode ver que, quando acontece isso [caso de gato], sempre é com jogador de família humilde. Chega um cara, e… Pô, você mora em um lugar humilde, e o cara faz a sua cabeça. Você gosta de jogar futebol e tem esse sonho para a sua vida. Aí, acaba indo, né? Só que, depois, vem toda a confusão.

Heltton Matheus, o gato da Copinha, foi empregado por Vampeta no Audax (foto: Marcelo Ferrelli/Gazeta Press)
Heltton Matheus, o gato da Copinha, foi empregado por Vampeta no Grêmio Osasco Audax (foto: Marcelo Ferrelli/Gazeta Press)

Gazeta Esportiva: E o cara que fez a cabeça do jogador desaparece.
Carlos Alberto: Ele sai fora! Para o cara, não dá nada. É o jogador que sofre. Mas é preciso ter fé em Deus. É Ele que sabe de todas as coisas, que te abençoa. Agora, já abriram as portas para o menino em outro time, e ele vai brilhar lá.

Gazeta Esportiva: Será que o Vampeta não poderia abrir as portas do Audax também para você?
Carlos Alberto: [Risos.] Estamos aí! Hoje, estou no Bruscão, com contrato para o Estadual, em que estamos bem [o Brusque ocupa a segunda posição do Campeonato Catarinense]. Agora, passando pelo Corinthians na Copa do Brasil, com todo o País e o mundo vendo, pode aparecer mais alguma coisa boa para todos nós.

Gazeta Esportiva: O jogo contra o Corinthians servirá como vitrine para você e os seus companheiros?
Carlos Alberto: Já estou no Brusque desde 2015. Se aparecer uma coisinha boa, nós vamos, né? Quem sabe para jogar uma Série B, uma Série C? Ainda posso ajudar bastante.

Gazeta Esportiva: Pretende continuar jogando até que idade?
Carlos Alberto: Estou com 39 anos, como disse. Se o meu telefone tocar [com convites de outros clubes ou para permanecer no próprio Brusque], vou jogar. Dá para jogar bem até os 42, 43 anos pelo menos. Estou me sentindo bem fisicamente. Então, se o telefone tocar…

Gazeta Esportiva: Os torcedores do Corinthians que assistirem à partida contra o Brusque verão aquele mesmo volante de meias arriadas, versátil, com disposição para correr até como lateral direito?
Carlos Alberto: Estou daquele mesmo jeito ainda, igual a um garoto. Tenho 39 anos, mas o corpinho e o fôlego estão bem. Jogo do jeito que os caras precisarem – como lateral direito, esquerdo, volante… Agora, estou jogando de volante mesmo. Estamos aí. Se precisarem, o corpinho aguenta, sim, correr na lateral.

Marcador aplicado, Carlos Alberto gosta de jogar com os meiões arriados (foto: Daniel Augusto Jr./Ag. Corinthians)
Marcador aplicado, Carlos Alberto gosta de jogar com os meiões arriados (foto: Daniel Augusto Jr./Ag. Corinthians)

Gazeta Esportiva: Você falou em vencer o Corinthians. Está confiante na classificação?
Carlos Alberto: Sempre falo que nada é impossível. O nosso time tem uns caras bons, macacos velhos, e está encaixado. Jogando dentro de casa, somos fortes. E vamos jogar de igual para igual. O Pingo [técnico do Brusque] tem a característica de fazer o time jogar. Ele gosta de jogar no ataque, e vamos atacar o Corinthians. Será um jogo bom, importante para os jogadores do Brusque, com o mundo todo assistindo.

Gazeta Esportiva: Além de você e do Pingo, que passou pelo Corinthians em 1999, o Brusque conta com o Boquita, campeão da Copinha de 2009. Como é a relação de vocês? De vez em quando, conversam sobre o que vivenciaram no Corinthians?
Carlos Alberto: A relação é boa. Conversamos bastante, sim. Jogar no Corinthians não é para qualquer um. É um time grande. Então, é gostoso lembrar o que passamos lá. Fizemos muitos amigos. Só que estamos do outro lado agora. Vamos dar o nosso melhor para defender a camisa do Brusque.

Gazeta Esportiva: Dá para você marcar um gol e fazer valer a tradição de jogadores que são carrascos dos seus ex-clubes?
Carlos Alberto: Vamos ver. Se sobrar uma bolinha ali…

Gazeta Esportiva: Pelo Corinthians, você só marcou um gol. Foi contra o Botafogo, pela Copa do Brasil de 2008. Lembra?
Carlos Alberto: É claro que me lembro. Foi na semifinal, no Engenhão. Eu jogava na lateral direita e ficava mais na marcação, para deixar o André Santos solto na esquerda. Aí, o Herrera fez uma jogada bonita pelo meio, rolou para mim, e só completei no cantinho. Aquele gol foi para a história.

Único gol de Carlos Alberto pelo Corinthians foi contra o Botafogo de Cuca e Jorge Henrique (foto: Daniel Augusto Jr./Ag. Corinthians)
Único gol de Carlos Alberto pelo Corinthians foi contra o Botafogo de Cuca e Jorge Henrique (foto: Daniel Augusto Jr./Ag. Corinthians)

Gazeta Esportiva: Foi um dos mais importantes da sua carreira?
Carlos Alberto: Ah, foi, né? Porque você fazer um gol com a camisa de um time do tamanho do Corinthians, em um jogo decisivo da Copa do Brasil… Pô! É marcante!

Gazeta Esportiva: Quais outras lembranças positivas você guarda do Corinthians?
Carlos Alberto: Gostei de 2008, quando tive mais oportunidades. Quase deu para ganhar aquela Copa do Brasil. O time tinha sido montado para a Série B, mas encaixou antes. Não conseguimos o título contra o Sport por causa de um golzinho. Mas foi bom. Depois, fomos campeões da Série B, perdendo só um jogo [foram três derrotas em toda a competição]. Foi maravilhoso. Joguei em um time grande, em que só tem fera, e estive ali no meio, fazendo o meu feijão com arroz. Foram muitas partidas com a camisa do Corinthians [73 ao todo], com a torcida me apoiando. Gostei muito da minha passagem por lá.

Gazeta Esportiva: Você também teve uma experiência bastante negativa no Corinthians, o rebaixamento para a Série B em 2007. Apesar disso, ao contrário da maioria dos jogadores daquele elenco, permaneceu no clube para a temporada seguinte.
Carlos Alberto: Aquele ano foi ruim. Joguei pouco. Aí, em 2008, estava com contrato ainda, e o Mano Menezes viu que eu poderia ajudar. Agradeci a ele e continuo agradecendo muito. E, realmente, consegui jogar. Foi algo importante.

Contra o palmeirense Valdívia e outros rivais, volante fez o seu "feijão com arroz" (foto: Daniel Augusto Jr./Ag. Corinthians)
Contra o palmeirense Valdívia e outros rivais, volante fez o seu “feijão com arroz” (foto: Daniel Augusto Jr./Ag. Corinthians)

Gazeta Esportiva: Por que o Corinthians foi rebaixado?
Carlos Alberto: O time não encaixou, né, velho? Não sei o que te dizer. Quase salvamos o Corinthians no último jogo, mas o time não estava encaixado.

Gazeta Esportiva: Você estava em campo no empate por 1 a 1 com o Grêmio, que decretou o rebaixamento do Corinthians. Quais são as suas recordações daquela partida?
Carlos Alberto: Joguei e dei o passe para o gol do Clodoaldo. Faltou só um golzinho para a gente, né?

Gazeta Esportiva: Como foi o dia seguinte ao rebaixamento?
Carlos Alberto: Ah, foi muito ruim, velho. Estar em um time grande e cair é ruim demais. Mas nós pedimos desculpas, e Deus me abençoou com a equipe conseguindo subir já no ano seguinte.

A fé de Carlos Alberto não evitou o rebaixamento do Corinthians no Brasileiro de 2007 (foto: Daniel Augusto Jr./Ag. Corinthians)
A fé de Carlos Alberto não evitou o rebaixamento do Corinthians no Brasileiro de 2007 (foto: Daniel Augusto Jr./Ag. Corinthians)

Gazeta Esportiva: No dia do rebaixamento, contra o Grêmio, havia um torcedor escondido no ônibus do Corinthians, com a intenção de agredir os jogadores.
Carlos Alberto: É… Ah, vou dizer para você: não estou lembrado mais dessas coisas, não.

Gazeta Esportiva: Vamos voltar ao presente, então. Como imagina o seu reencontro com os torcedores do Corinthians? Gostaria de deixar uma mensagem para eles antes da partida?
Carlos Alberto: Quero mandar um abração para todos os torcedores corintianos. Quando estive no Corinthians, sempre me apoiaram. Nunca fui vaiado. Até hoje, recebo carinho nas ruas. Eles falam: “Pô, você honrou a camisa”. Então, desejo tudo de bom, até porque continuo acompanhando o Corinthians pela televisão e, quando tenho a oportunidade, sempre falo com os caras que estão lá – o Jô [centroavante], o Edízio [Borges de Almeida, roupeiro]… Agora, é outra história. Estou do lado do Brusque e quero fazer uma grande partida, surpreender. Só que sou feliz pelo que passei no Corinthians e torço pelo clube também.