O caso do sapo e o carma da Ponte Preta - Gazeta Esportiva
Helder Júnior
São Paulo (SP) - *Reportagem originalmente publicada em 29 de abril de 2017 (com adaptações)
10/16/2017 09:00:58
 

Na última vez em que conversou com a Gazeta Esportiva, o médium Roberio de Ogum culpou a existência de uma energia bastante negativa no estádio construído em Itaquera para os fracassos do Corinthians ali dentro. E até acertou uma de suas previsões, feitas na época em que Dunga seguia prestigiado na Confederação Brasileira de Futebol (CBF): “Os jogadores do Corinthians vivem do talento espiritual do Tite. Só que ele será o novo técnico da Seleção Brasileira. Com toda a certeza. O Tite vai disputar a Copa do Mundo pelo Brasil. Não tenha dúvidas”.

Quase um ano depois, Tite realmente estava em alta no comando da Seleção Brasileira, enquanto o seu Corinthians começou a se reconstruir – apesar de ter amargado mais uma eliminação em Itaquera, contra o Internacional, pela Copa do Brasil. Em maio, para Roberio de Ogum, o clube se mostrava pronto para enfim ser campeão em seu estádio. Ainda mais porque enfrentaria, na decisão do Campeonato Paulista, um adversário que continua a lidar com a maldição de jamais ter conquistado um título expressivo.

“Não vejo o Corinthians perdendo essa final”, avisou Roberio, ao telefone. A voz serena foi substituída por um pigarro e uma breve pausa quando o assunto era a Ponte Preta. “Em 1977, eu via uma agonia muito intensa no Corinthians, algo que fazia mal a todos. Na Ponte, é a mesma coisa. Trabalhei lá com o Vanderlei Luxemburgo (entre 1992 e 1993), quando até se montou um grande time de basquete, com Paula e Hortência, e vi essa dificuldade. Talvez aquele tenha sido o maior fracasso do Vanderlei. A Ponte tem uma energia muito pesada, que te mastiga. Isso atrapalha. Em termos de astral, será um diferencial muito grande na final”, alertou.

Roberio de Ogum ficou famoso no meio do futebol justamente durante a primeira decisão estadual que reuniu Corinthians e Ponte Preta. Em 1977, ele se tornou protagonista no lendário episódio em que um sapo teria sido desenterrado do gramado do Parque São Jorge, a Fazendinha, antes de Basílio marcar o gol do título paulista daquela temporada, no Morumbi.

Alguns corintianos, como Guilherme Arana, apegaram-se à fé diante da Ponte (foto: Daniel Augusto Jr./Ag. Corinthians)

“A história é bem conhecida”, sorriu Roberio, com paciência para rememorar mais uma vez um dos casos folclóricos do futebol nacional. “Lembro que comemos um tomate assado com queijo mole antes de fazer aquele trabalho. Fui atrás de um dos gols, cutuquei o campo e fiz o transporte. Era um pedaço de osso redondo que havia ali. Não era nada de sapo, como dizia o Matheus (Vicente Matheus, então presidente do Corinthians). Depois daquilo, conversei com o Brandão (Oswaldo Brandão, técnico corintiano em 1977) e falei que achava que era jogo para o Basílio. Aí, como ficou na história, o Brandão chamou o Basílio à noite, no quarto, e falou que ele faria o gol do título”, contou.

Espírita kardecista, Oswaldo Brandão contava com Roberio de Ogum, de acordo com o próprio, em suas orações pela saúde do filho Márcio, que viria a morrer de um câncer cerebral. Já Vicente Matheus, de quem o vidente se aproximou por intermédio também de José Italiano, cronista do programa Mesa Redonda, da TV Gazeta, apegava-se a tudo o que estava ao seu alcance na tentativa de findar o jejum de quase 23 anos sem títulos expressivos do Corinthians. “Tinha uma gruta ali, no Parque São Jorge, e ele pegava na minha mão para me chamar para rezar. Nunca me esqueço de que o Matheus tinha uma Mercedes Pagodinha vermelha e falava: ‘Você gostou do carro? Dou para você se o Corinthians for campeão’. Eu dizia que não precisava, que estávamos ali para falar com Deus. Era muito agonia”, relatou o médium.

Finalmente campeão paulista, Vicente Matheus preferiu alegar à imprensa que não acharam “nem osso de galinha” debaixo do gramado da Fazendinha, embora a história ainda emocione a sua viúva, Marlene, também ex-presidente do Corinthians. Alguns torcedores, ao contrário, não aceitaram tão bem a caça ao sapo. O católico Dom Paulo Evaristo Arns, morto em dezembro do ano passado, chegou a ameaçar trocar o Corinthians pelo rival Palmeiras em seu coração se os rituais fossem adiante e ainda se satisfez porque o padre Santo Granzotto, seu amigo e colaborador, benzera o Parque São Jorge.

A lenda a respeito do sapo era antiga. Um dos primeiros que propagaram a existência do animal foi Jaú, zagueiro do Corinthians entre 1932 e 1938, que virou pai de santo ao encerrar a carreira esportiva e acabou até acusado de provocar aquele mau agouro. Conta-se que o sapo fora encontrado por acaso em um treinamento de 1968, durante a estiagem de títulos do clube, e chutado pelos goleiros Diogo e Lula, que cairiam em desgraça no futebol.

“Tudo isso acabou. O que peguei em 1977 não existe mais. Há o problema da energia do novo estádio, onde aconteceram até acidentes, mas isso não afetará os jogadores agora. A energia deles é maior”, confiou Roberio de Ogum, que é torcedor do Santos. “Se você analisar os times, atleta por atleta, vai sentir que os do Corinthians têm mais leveza espiritual do que os da Ponte. Tudo conspira a favor deles. Quando um time está muito leve, o outro se apavora, não aceita e pode até ter um jogador expulso. Foi o que aconteceu em 1993, quando orientei o uso das meias brancas e previ o título do Palmeiras”, comparou.

Em 2001, as galinhas d’angola de Roberio teriam sido decisivas para o time jogar bem (foto: Marcelo Ferrelli/Gazeta Press)

Guia espiritual de Vanderlei Luxemburgo em diversos clubes em que o técnico trabalhou, como aquele Palmeiras da Parmalat, Roberio de Ogum também foi o responsável por recomendar a inusitada criação de dezenas de galinhas d’angola no Parque São Jorge para o Corinthians sair da zona de rebaixamento e alcançar o título estadual em 2001. Alguns desses animais perduraram lá, ao contrário da ossada desenterrada do gramado.

Para Roberio de Ogum, uma caça ao sapo no Moisés Lucarelli, onde foi disputado o primeiro jogo da final do Campeonato Paulista de 2017, não seria tão produtiva para a Ponte Preta. “O que pode mudar as coisas é o livre-arbítrio dos jogadores. A Ponte só vencerá o Corinthians se eles quebrarem essa influência pesada, o que é muito difícil. Terão que tomar cuidado para não se afobar, para não ter um jogador expulso, o que é muito fácil nessas circunstâncias”, concluiu o médium de 1977, supersticioso ao abordar pela última vez a reedição de uma final histórica, 40 anos depois. “Esse reencontro entre Corinthians e Ponte é cármico”, definiu.

Para a Ponte Preta, tratou-se mesmo de um carma. Com uma vitória por 3 a 0 no Moisés Lucarelli e um empate por 1 a 1 em Itaquera, o Corinthians voltou a ser campeão paulista sobre o time de Campinas nesta temporada.

Leia toda a especial da Gazeta Esportiva sobre os 40 anos do título estadual de 1977:

Quatro décadas de alívio
A herança de Ruy Rey
O segundo aniversário de Basílio
Zé Maria e o seu irmão ponte-pretano
A astrologia contra Ruy Rey

Leia nesta terça-feira – Tite: “A Libertadores é maior”