Há dez anos na elite, Murer busca consagração em sua última Olimpíada - Gazeta Esportiva
*Pedro Petrachini
São Paulo, SP
04/05/2016 09:50:49
 

Uma das esperanças de medalha para o Brasil nas Olimpíadas de 2016, Fabiana Murer está muito focada em fazer história. Ela já iniciou sua preparação visando os Jogos, e, em contato com a Gazeta Esportiva, demonstrou estar com muita sede de, enfim, ver seu trabalho traduzido em uma premiação olímpica.

Há dez anos na elite do salto com vara, a atleta reforçou que o incentivo à sua modalidade não é o ideal no Brasil, e que os talentos que surgem são esporádicos. Em seu caso, Murer contou que foi seu pai quem a encorajou a começar no esporte: “Quem procura é porque gosta, ou os pais ajudam. Meu pai falou: vai fazer atletismo”

Sobre o nível das competidoras que estarão no Rio em agosto, Fabiana espera muitas dificuldades. No Mundial disputado em Portland, no último mês, ela terminou em sexto e, apesar de admitir que poderia ter saltado mais, pôde perceber que as adversárias estão fortes. “Vai ser bem disputado, o nível está muito alto”, declarou a brasileira.

Confira abaixo o que Murer falou sobre estes e outros assuntos, como a questão do doping no atletismo e os planos da saltadora para depois dos Jogos, quando se aposentará.

 

Murer é um dos principais nomes do atletismo brasileiro - Foto: Wagner Carmo/Inovafoto
Murer é um dos principais nomes do atletismo brasileiro – Foto: Wagner Carmo/Inovafoto

Gazeta Esportiva – Como será a preparação para os Jogos? Você já tem um calendário definido? Vai competir em algum lugar?

Fabiana Murer – Será uma série de competições preparatórias para as Olimpíadas. São competições importantes, nas quais encontrarei outras atletas que estarão nos Jogos. A primeira é em Roma, que começa dia 2 de junho. Além da Liga Diamante, disputarei outros torneios, que ainda não defini. Depois, venho para o Troféu Brasil, no final de junho, começo de julho, e volto para a Europa, para mais duas etapas da Liga Diamante, e retorno para as Olimpíadas.

Gazeta Esportiva – Esse ano, a Olimpíada vai ser no Rio, dentro de casa. Por conta disso, você preparou alguma coisa diferente, a fim de usar a torcida ainda mais a seu favor? Em vídeo nas redes sociais, você citou o Super Salto e gostou da torcida. Vai ter algum processo específico sobre isso?

Murer – Sou uma atleta experiente, estou há 19 anos no salto com vara. Aprendi a me preparar para cada competição, a ficar concentrada. O atletismo é muito dinâmico, não é só o salto com vara, são vários eventos acontecendo ao mesmo tempo, isso exige concentração. Participei do Pan em 2007 e a torcida foi muito legal, mas imagino que na Olimpíada isso vai ser muito maior. No Super Salto, como era só salto com vara e salto em distância, o público ficava próximo, as pessoas queriam tirar fotos comigo, o tempo todo gritando. Tive uma ideia de como será nos Jogos. Consegui boas performances, foi muito legal ter a torcida lá. Ajuda bastante, me motiva mais para saltar.

Gazeta Esportiva – Falando sobre as últimas duas Olimpíadas, você teve problemas com fatores externos. Teve o sumiço da vara, em Pequim, e o vento, em Londres. Agora, dentro de casa, você espera que as coisas conspirem a favor, para conseguir uma medalha inédita em Jogos?

Murer – Nunca penso que vai ter um problema em uma Olimpíada. Em Pequim, eu achei que seria perfeita, e teve o problema da vara. Em Londres, eu sabia que o vento seria complicado, já tinha competido lá, sabia que podia acontecer algo, e aconteceu. Eu conheço o Engenhão, é um bom lugar. Tenho boas memórias, bati recorde e fui campeã sul-americana. Temos que estar preparados para tudo. Vou chegar bem preparada no Rio, e aí é questão do dia. Vai ser bem disputado, o nível vai estar bem alto, deu pra ver no Mundial em pista fechada.

Gazeta Esportiva – Você falou sobre o Mundial Indoor. Você conseguiu chegar à final, ficando em sexto. Qual o balanço desse torneio? Achou positivo ou negativo?

Murer – Eu esperava saltar mais alto em Portland, estava preparada para isso, mas não consegui me adaptar direito na hora da competição, não era uma pista que me favorecia. Nas vezes que ganhei medalhas em pistas cobertas, eram pistas no chão. Lá eram montadas, então tive dificuldade em relação à corrida. Eu estava bem fisica e tecnicamente, o treino para a temporada foi muito bom, então esperava saltar um pouco mais, mas isso não me preocupa. No momento, o importante é entrar em forma novamente, continuar mantendo a técnica. Agora, para a pista aberta começa tudo de novo, uma nova temporada.

Brasileira terá missão de melhorar desempenho apresentado no Mundial Indoor - Foto: Marcelo Ferrelli/Gazeta Press
Brasileira terá missão de melhorar desempenho apresentado no Mundial Indoor – Foto: Marcelo Ferrelli/Gazeta Press

Gazeta Esportiva – Ainda sobre Portland, o Brasil saiu sem medalha. Voltando no tempo, tinha você, a Maurren Maggi, o Duda, o revezamento forte. Você acha que essa geração é mais fraca, com menos chance de ganhar medalhas nos Jogos?

Murer – A Maurren é de uma geração anterior, fez resultados antes que eu. Teve o Jadel Gregório no triplo. O Duda é um pouco mais novo. Tem o Thiago Braz, que bateu recorde sul-americano, foi campeão juvenil, mas ainda não se acertou nas grandes competições no adulto. São gerações diferentes. O Brasil não é um país que investe em atletismo, não é potência, não temos muitos lugares para treinar, não tem incentivo. Quem procura é porque gosta, ou os pais ajudaram, como foi meu pai, que falou: vai fazer atletismo. Eu nunca tinha pensado nisso. São talentos esporádicos que aparecem. Com a Olimpíada, está tendo mais investimento, mas são esses atletas que você citou que estão entre os 20 do ranking mundial.

Gazeta Esportiva – Falando sobre nomes que surgem esporadicamente, sem um trabalho estrutural. Com a sua saída, após os Jogos, você acha que vai ficar uma lacuna no salto com vara feminino? Ou tem alguma atleta com potencial para ter resultados como os seus e chegar bem a Tóquio?

Murer – Tem algumas atletas jovens no meu grupo, uma de 19 anos, outras de 18. Podem estar nos Jogos, mas depende muito delas. Vão fazer os treinos que eu fiz, com o mesmo técnico. Tem que querer, ter disciplina e perseverança. É muito difícil chegar em alto nível. Depois, manter-se é complicado. Estou há dez anos entre as dez do mundo, mas isso foi porque quis muito, e tive uma condição técnica boa. Não tem incentivo. Tem atletas que fizeram o mesmo caminho que eu. Fizeram ginástica artística, mas cresceram muito e foram para o salto com vara. Torcerei e quero estar perto, dando meus conselhos, minhas dicas, para elas se desenvolverem e chegarem a uma Olimpíada.

Gazeta Esportiva – Você já anunciou a aposentadoria para depois dos Jogos. Tem ideia da carreira que pretende seguir? Treinadora, uma carreira diretiva? Você faz parte da Comissão de Atletas do COB. Pensa em algo específico ou ainda está em aberto?

Murer – Treinadora, com certeza, não. Mas ainda não sei o que vou fazer, estou bem focada nos Jogos Olímpicos. Depois vou pensar, de repente fazer algum curso. Sou formada em fisioterapia, é uma opção. Mas só depois das Olimpíadas, não quero perder o foco, não quero perder energia nisso.

Isinbayeva desistiu de torneio por causa de lesão, e adiou seu retorno ao atletismo (Foto: Divulgação)
Isinbayeva ainda não está garantida no Rio (Foto: Divulgação)

Gazeta Esportiva – Voltando aos Jogos, em relação às adversárias, o principal nome, na mídia, é a Isinbayeva, e ainda não está certa a presença dela. Você crê que ela virá? Vocês treinaram juntas, foram próximas. Tem algum contato ou informação?

Murer – Não sei de nada, o que sei é o que ela posta em redes sociais. Ela tentou voltar a competir, acabou se machucando. A Rússia está suspensa de competições internacionais, só pode organizar torneios internos. Ela tem condição, é uma boa atleta, basta ter motivação para treinar. Mas também depende do que vai acontecer com a Rússia, se eles vão se enquadrar nas leis antidoping. Não é só o atleta, o governo tem que ajudar. E não muda nada, eu tenho que fazer o meu, pular e saltar.

Gazeta Esportiva – Essa questão dos russos, do doping sistemático. Você competiu contra várias russas nos últimos anos. De alguma forma, se sente prejudicada ou tem alguma decepção? De repente, alguma medalha que poderia ter levado, e pode ter ido para uma atleta russa?

Murer – Eu procuro nem pensar isso. Eu prefiro competir de uma forma limpa, com todo meu esforço, sei como é difícil. E fico atenta a esta questão do doping. Tenho que saber tudo que entra no meu organismo, é responsabilidade minha. Eu faço parte de um programa que chama Whereabouts. Todo dia, eles podem chegar e fazer um exame surpresa. Tenho que ter atenção, estou há dez anos nesse programa. Para usar qualquer creme ou remédio, consulto meu médico. O que pode, o que não pode, eu mando foto da bula para o médico. Não podemos confiar em ninguém, só em nós mesmos. Sei de gente que foi contaminada.

Gazeta Esportiva – Vem se falando muito do zika vírus, a respeito do medo de atletas em virem ao Rio. Alguém, talvez em Portland, chegou a conversar com você, perguntou alguma coisa sobre risco de contrair doença? 

Murer – Antes de ir para Portland, eu estava na Europa, e lá se falava muito sobre o zika vírus. Até participei de algumas coletivas, e o pessoal perguntava como está. Estão bem preocupados mesmo. Mas em Portland não, já tinha acalmado um pouco. Não ouvi falar de ninguém que não virá ao Rio competir. Está todo mundo bem animado com as Olimpíadas.

Gazeta Esportiva – Você faz parte da Comissão de Atletas do COB. Esses últimos anos foram importantes, contato com o Comitê, Jogos Olímpicos… Qual você acha que vai ser o legado? Não só no caso do atletismo, mas também para o esporte brasileiro em geral. Está esperançosa sobre o que pode sair para o futuro do esporte?

Murer – Quando o Brasil foi eleito sede, os jovens viram uma possibilidade de competirem em uma Olimpíada em casa, tiveram vontade de alcançarem melhores resultados. Então, já houve mudança naquele momento. Agora, vamos ter locais de treino, de competição. Foram construídas pistas de atletismo em todos os estados do Brasil. Então, talvez isso chame jovens para praticar esportes. No Rio, vão ter vários locais de treino, o Centro Olímpico receberá vários eventos. Vai motivar as pessoas a ficarem em contato com o esporte, motivar os pais a incentivarem os filhos a praticar. Acho que todo mundo que pratica esporte dá um valor maior à vida, encara de uma forma diferente.

Atleta torce por evolução esportiva do Brasil após Olimpíada - Foto: Fernando Dantas/Gazeta Press
Atleta torce por evolução esportiva do Brasil após Olimpíada – Foto: Fernando Dantas/Gazeta Press

Gazeta Esportiva – Você treina com o seu marido. Com a sua aposentadoria, ele vai seguir como treinador, com outros esportistas, ou vocês têm algum projeto para fazerem juntos?

Murer – Ele vai continuar como treinador, tem outros atletas, as meninas mais novas. Tem o Augusto Dutra, que já está classificado para os Jogos. Não é por minha causa que ele é técnico, lógico que o destaque veio com os meus resultados, mas ele tem outros atletas. Claro que é um recomeço, vai construir um atleta de novo, como fez comigo, mas é o trabalho dele e vai seguir. Como eu falei, sobre o meu futuro, eu ainda não pensei nada. Quem sabe a gente faz alguma coisa juntos, mas a princípio ele segue como treinador.

*Especial para a Gazeta Esportiva