Muller vê Palmeiras de 1996 superior a São Paulo de Telê e nega deserção - Gazeta Esportiva
Bruno Ceccon e José Victor Ligero*
São Paulo, SP
05/31/2016 09:00:23
 

Um dos principais ídolos da história do São Paulo, Muller considera o Palmeiras de 1996 o melhor time que já defendeu na carreira. Vinte anos depois do histórico título paulista, o ex-atacante celebra sua única conquista em verde e branco e nega ter desertado antes da final da Copa do Brasil para retornar ao Morumbi.

Superado apenas por Luizão (22) e Rivaldo (18), Muller marcou 15 dos 102 gols do time que foi campeão sob o comando de Vanderlei Luxemburgo com 27 vitórias, dois empates e uma derrota. A reportagem com o ex-jogador é a segunda da série publicada pela Gazeta Esportiva na semana em que o título completa 20 anos.

Revelado no Morumbi, Luís Antônio Corrêa da Costa, convocado para defender a Seleção Brasileira em três Copas, foi bi mundial e da Libertadores (1992 e 1993) com a camisa do São Paulo ao lado do técnico Telê Santana. Ainda assim, considera o Palmeiras de 1996 “mais completo” do que o adversário tricolor.

Como seu contrato terminou pouco antes das finais da Copa do Brasil 1996, Muller acabou fora dos confrontos entre Palmeiras e Cruzeiro. Aos 50 anos de idade, ele atribui sua ausência à Parmalat e garante que estava disposto até a jogar sem contrato. “Se eu participasse da partida, a gente poderia ter vencido, sim”, apostou.

Gazeta Esportiva – Qual é o melhor time: o Palmeiras de 1996 ou o São Paulo do Telê Santana?
Muller – O Palmeiras de 1996, porque, como diz a gíria, do goleiro ao ponta esquerda tinha jogadores de Seleção Brasileira, atletas excelentes. Como time, era mais completo.

Gazeta Esportiva – Considera esse time de 1996 o melhor da sua carreira?
Muller – Exatamente. E o São Paulo de 1985 também era um timaço.

Gazeta Esportiva – Você foi contratado pelo Palmeiras em 1995. Diante da montagem do elenco para 1996, qual era a expectativa entre os jogadores? 
Muller – Em 1995, disputamos o Paulista, a Libertadores e perdemos os dois. Depois, no Brasileiro, fomos bem. Em novembro, chegou o Vanderlei (Luxemburgo). Foi aí que ele formou aquela equipe. Aquela equipe, não. Contratou mais três jogadores que faltavam: o Djalminha, o Luizão e o Júnior, lateral esquerdo. O restante já estava no Palmeiras. O time tinha uma base. Só foram contratados três jogadores que entraram e se encaixaram muito bem no esquema.

Gazeta Esportiva – Do meio para adiante, aquele time tinha Rivaldo, Djalminha, Luizão e Muller. Sei que jogar com craques não foi novidade para você, mas como era atuar com eles no Palmeiras de 1996?
Muller – Comecei jogando só ao lado de feras. Joguei na Copa de 1986 com Falcão, Zico, Sócrates, Júnior.. Então, não foi uma coisa única, foi uma oportunidade a mais de jogar com esse tipo de atleta. Em 1996, conseguimos fazer um grande campeonato, e atuar com grandes jogadores é mais fácil, porque você se entrosa mais rápido. É sempre muito melhor.

Gazeta Esportiva – O Marcos, então com 22 anos e ainda com cabelo, fez suas primeiras partidas oficiais no Campeonato Paulista de 1996. Lembra dele no elenco?
Muller – Sim, tinha cabelo (risos). Era reserva do Velloso. Teve uma partida no Parque Antarctica em que ele jogou e pegou um pênalti (contra o Botafogo-SP). O Palmeiras já tinha a escola de goleiros, já vinha do Sérgio. O Sérgio era um grande goleiro e precisava jogar. Ele saiu, e o Marcão virou reserva do Velloso. O Velloso, em grande fase, foi um dos grandes goleiros do futebol brasileiro e depois o Marcão, esporadicamente, entrava e conseguia jogar bem. Foi um processo natural.

Gazeta Esportiva – O Marcos já era brincalhão naquela época ou ficava mais na dele no meio de tantos craques?
Muller – Sempre foi brincalhão. O grupo era muito bom, entrosado. Sempre estávamos juntos. A gente fazia pré-temporada em Serra Negra, depois uma intertemporada em Serra Negra de novo, no Carnaval. Quer dizer, a gente conseguiu formar uma família palmeirense muito boa e competente. Para você ter uma ideia, o banco de reservas do Palmeiras tinha Roque Júnior, Alex Alves, Paulo Isidoro. O time era tão bom, que o Vanderlei usava pouco os suplentes. Entravam pouquíssimas vezes Alex Alves e Paulo Isidoro.

Muller recebe faixa de campeão paulista de 1996 pelo Palmeiras (Foto: Acervo/Gazeta Press)
Muller recebe faixa de campeão paulista de 1996 pelo Palmeiras (Foto: Acervo/Gazeta Press)

Gazeta Esportiva – No Palmeiras, você teve seu primeiro contato com o Vanderlei Luxemburgo, um técnico que costuma te elogiar bastante…
Muller – Foi um trabalho maravilhoso. O Vanderlei já tinha feito grandes trabalhos em 1993 e 1994. Então, 1996 era um outro grande trabalho que ele estava fazendo. Voltou em 1995 e montou esse timaço para 1996. Trabalhar com o Vanderlei foi muito bom, um cara inteligente e que gosta de jogar pra frente, haja visto que o time fez 102 gols em 30 jogos.

Gazeta Esportiva – Todo o mundo sempre celebra aquele ataque, mas a equipe também tinha uma defesa sólida. Tomou apenas 19 gols em 30 jogos e passou invicta em 13 partidas…
Muller – Uma equipe tem que ser compacta, e o Palmeiras era. Tinha um grande goleiro, o Velloso, uma defesa sólida e competente, com Cafu, Júnior, Clebão e Sandro, além de dois volantes que marcavam muito bem, Amaral e Flávio Conceição, que compactavam ao mesmo tempo. Acho que o time conseguiu estar junto – a defesa, o meio de campo e o ataque – e na movimentação a gente conseguia fazer a diferença para conquistar grandes vitórias.

Gazeta Esportiva – O seu passe pertencia ao Kashiwa Reysol, do Japão. Como o empréstimo ao Palmeiras terminou antes das finais da Copa do Brasil, você ficou fora dos jogos contra o Cruzeiro e acabou acertando o retorno ao São Paulo. Como exatamente aconteceu isso?
Muller – Uns dois meses antes, queria já renovar o contrato. Mas o pessoal da Parmalat não quis, achou que estava me precipitando. Eu queria só antecipar as coisas para evitar desgaste, entendeu? Como chegou o fim do meu contrato, o São Paulo entrou no meio, e perguntei para o pessoal da Parmalat: “Olha, o negócio é o seguinte: queria renovar com vocês dois meses atrás. Agora, o São Paulo apareceu com uma proposta irrecusável e gostaria de saber o que podem fazer em cima disso”.

Gazeta Esportiva – Nesse momento, qual era o seu desejo?
Muller – O meu desejo era permanecer no Palmeiras, porque era um timaço, uma seleção, vencia 90% das partidas. Então, não tinha motivo para sair, e outra: eu era ídolo do time, praticamente um dos principais jogadores. Estávamos na iminência da final contra o Cruzeiro. Você acha que eu não queria jogar? Claro que queria, até mesmo sem contrato, com seguro, mas eles não aceitaram. Acharam que estava blefando uma proposta do São Paulo. É uma coisa até normal às vezes o jogador querer se valorizar e dizer que tem uma proposta. Mas eu não estava blefando.

Gazeta Esportiva – E como terminou a negociação com o Palmeiras?
Muller – Eu disse a eles que tinha uma proposta e queria saber o que poderiam fazer em cima disso. Não queria que me pagassem igual o São Paulo pagaria. Só gostaria que me reconhecessem pelo Campeonato Paulista que fiz e pela Copa do Brasil que estava fazendo. Queria só um pouco a mais para a gente firmar um acordo, mas falaram que não podiam fazer nada. Então, segui minha vida, como é normal no futebol.

Gazeta Esportiva – Qual foi o papel do Brunoro nesse desfecho da negociação?
Muller – Foi essencial, porque quem renovava o contrato era ele. Era o homem forte da Parmalat na oportunidade e foi com ele que conversei.

Quatro dias antes da final da Copa do Brasil, Muller reestreou pelo São Paulo (Foto: Acervo/Gazeta Press)
Quatro dias antes da final da Copa do Brasil, Muller reestreou pelo São Paulo (Foto: Acervo/Gazeta Press)

Gazeta Esportiva – Depois de ganhar o Campeonato Paulista com facilidade, o Palmeiras acabou perdendo a final da Copa do Brasil para o Cruzeiro no Palestra Itália. Você torceu pelos ex-companheiros naquela decisão?
Muller – Para mim foi frustrante, porque joguei a Copa do Brasil inteira e também queria disputar a final. Uma coisa supernormal. Fiquei chateado por não ter jogado e com certeza fiquei chateado também pela derrota dos meus companheiros. Poxa, eu estava no dia a dia com os caras, então claro que torci pelo Palmeiras.

Gazeta Esportiva – Quatro dias antes da decisão entre Palmeiras e Cruzeiro, você reestreou pelo São Paulo com gol em um amistoso contra o Real Madrid. Muitos palmeirenses até hoje te consideram culpado pela perda do título. Acha isso justo?
Muller – Não acho justo, porque ninguém sabe da história. Não tenho motivo para me sentir culpado.

Gazeta Esportiva – Você estava em grande fase na época. Se tivesse renovado com o Palmeiras, acha que o time venceria o Cruzeiro e ficaria com o título da Copa do Brasil?
Muller – Poderia, sim. É claro que o Palmeiras não era refém de mim. A equipe tinha grandes jogadores que sempre decidiram partidas: o Rivaldo, o Djalminha, o Luizão. Claro que eu era uma peça importante dentro do esquema do Vanderlei. Acho que, se eu participasse do jogo, a gente poderia ter vencido, sim.

Gazeta Esportiva – Você resolveu voltar ao São Paulo e, pouco depois, acabou no futebol italiano. Tem algum arrependimento pela decisão de não renovar com o Palmeiras?
Muller – Não, porque é um processo natural dentro da profissão. Se você não acerta aqui, acerta ali. Foi uma coisa supernormal. Eu priorizei acertar com o Palmeiras. Fiz umas três, quatro reuniões para renovar. Na última, perguntei o que o clube poderia fazer em cima da proposta do São Paulo, porque queria permanecer. O time estava certinho, em uma final de campeonato e decidindo em casa. Eu pensei: ‘Opa, vamos ganhar mais um título’. Queria jogar a todo custo, até sem contrato, porém eles não deixaram.

Gazeta Esportiva – Sente que na época não recebeu o reconhecimento que merecia?
Muller – Eles não me valorizaram de acordo com o que eu achava e o Brunoro não acreditou que eu tinha uma proposta do São Paulo. Falei que eu não precisava mentir, que não tinha razão para mentir e também não era mais criança para isso. Queria ouvir uma proposta final para poder renovar e permanecer no Palmeiras. Foi uma discussão normal, em que ele não aceitou, não acreditou. Então, paciência. Tive que seguir a carreira.

Brunoro acha que contratação de Muller foi foi vingança por vinda de Cafu (Foto: Acervo/Gazeta Press)
Brunoro acha que contratação de Muller foi foi vingança por vinda de Cafu (Foto: Acervo/Gazeta Press)

BRUNORO ALEGA TETO SALARIAL

José Carlos Brunoro foi o homem forte da bem-sucedida parceria entre Palmeiras e Parmalat durante os anos 1990. De acordo com o executivo, o limite salarial estabelecido pelo clube na época inviabilizou a renovação de contrato do atacante Muller, então emprestado pelo Kashiwa Reysol, antes da decisão da Copa do Brasil contra o Cruzeiro.

“A gente queria prorrogar, e ele queria ganhar muito. Quer dizer, o São Paulo tinha feito uma proposta muito forte, e não cobrimos. A gente tinha um teto salarial, que não era ultrapassado”, afirmou. “Havíamos previsto o término do campeonato em uma data e, para nossa surpresa, foi alterado”, completou.

Na visão de Brunoro, o ímpeto do rival para acertar com Muller nos dias que antecederam a final da Copa do Brasil foi uma vingança pelo chapéu aplicado pelo Palmeiras na contratação de Cafu em 1995 – para burlar uma cláusula estabelecida pelo São Paulo, o lateral passou pelo Juventude, também patrocinado pela Parmalat, antes de chegar ao Palestra Itália.

“A gente contratou o Cafu, e eles queriam dar uma satisfação. Acho isso natural e bacana no futebol”, afirmou o executivo, reiterando o respeito ao teto salarial. “O Muller até falou comigo: ‘Pô, Brunoro…’. E eu: ‘Não dá, Muller. Não posso ultrapassar. Se ultrapassar com você, vou ter que ultrapassar com o time inteiro. Isso não é justo’.”

*Colaborou Helder Júnior



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