“Quero voltar a voar” - Gazeta Esportiva
Tiago Salazar
São Paulo - SP
11/29/2017 08:30:04
 

Uma luxação no pé direito outra na vértebra dorsal, um corte no braço, uma intervenção para arrumar danos nos dentes e uma cirurgia plástica para corrigir queixo, boca e nariz. Nada mais que isso. O cenário pode até parecer complicado, de muito sofrimento. Não que tenha sido fácil, mas, esses foram os danos sofridos por Ximena Suárez Otterburg, comissária do voo que levava a delegação da Chapecoense a Colômbia há um ano. A boliviana é uma das seis pessoas que sobreviveram a queda da aeronave. 71 vítimas não tiveram a mesma sorte e acabaram participando da maior tragédia esportiva da história.

Com sequelas físicas não tão graves quanto se imagina tratando-se de um acidente aéreo, as maiores preocupações durante a recuperação de Ximena eram as questões que afetavam sua parte psicológica. À época, a tripulante foi diagnosticada com depressão pós-traumática.

“As sequelas que ficaram foram perder os meus amigos, as imagens daquela noite, às vezes também tenho pesadelos, mas já não são muito frequentes. Sigo tomando remédios para dormir também, todos os dias”, conta a mãe de 29 anos, que aponta seus dois filhos, Thiago e Gabriel, de 7 e 3 anos, respectivamente, como os principais responsáveis por sua reação. “O amor deles é que me ajudou bastante a sair das depressões em que estava”.

Agora, Ximena Suárez tenta tocar a vida, pensar no futuro. À Gazeta Esportiva, a boliviano revela seus planos e surpreende, já que apesar do receio em voar novamente, está focada em retomar suas atividades a bordo de uma aeronave.

“Quero terminar meus estudos de engenharia de controles e processos, começar a dar palestras motivacionais em vários países. Ano que vem (quero) voltar a voar, que é minha meta, e terminar sendo instrutora de tripulantes de cabine”, diz a jovem, que enquanto isso se arrisca em outros ramos para ganhar dinheiro. “Estou trabalhando como modelo para sustentar minha família. Além disso, estou fazendo bijuterias relacionadas a aviação”.

Ximena Suárez tinha o salário atrasado em três meses até a queda do avião. Desde então, não recebeu mais nada da LaMia. Essa situação emergencial a fez apelar a um site de doação coletiva, que acabou sendo muito eficaz para ela e seus filhos, graças a solidariedade das pessoas. A empresa também foi acionada judicialmente pela ex-funcionária, que mesmo diante dos fatos evita apontar culpados pela tragédia que comoveu o mundo há um ano.


“A verdade é que não sei quem foi, aqui não é o lugar para buscar culpados. Não posso acusar ninguém e não posso dizer que ele (o piloto) teve a culpa. Eu creio que Deus é o único que sabe”, explica.

Foram mais de 20 voos na aeronave Avro Regional Jet 85 da LaMia a trabalho. Ximena viajou por todos os Estados da Bolívia e ultrapassou a fronteira de Brasil, Colômbia, Venezuela e Equador. Hoje, sabe-se que a empresa costumava trabalhar sem combustível reserva há tempos. “Eu não tinha conhecimento de nada. Os únicos que sabiam eram os pilotos”, conta Ximena, que convivia com o risco sem ter conhecimento.

Apesar de viver em Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia, o convívio e a procura dos brasileiros para ouvir e conhecer Ximena Soárez sempre foi muito grande. Essa relação mais estreita ainda é sentida pela sobrevivente, que por causa de todo esse movimento, parece cada vez mais forte para superar as adversidades e dar continuidade a sua vida.

“Foi uma experiência muito difícil para mim, e na verdade me solidarizo muito com as famílias dos falecidos do Brasil, com as famílias dos meus companheiros. Sempre estou orando por eles, além de orar pelos sobreviventes também”.

Aqui você confere, na íntegra, a entrevista exclusiva que Ximena Suárez concedeu à Gazeta Esportiva para o especial de um ano da tragédia com o avião da Chapecoense:

Um ano do acidente

Estou publicando um livro, dia 28. Falo da minha vida para que saibam quem sou eu, sobre a minha experiência como tripulante e também do acidente. Graças a Deus, a minha família e as pessoas que me apoiam, estou totalmente recuperada. Já estou trabalhando, estou trabalhando como modelo, voltei a retomar os meus estudos e estou capacitando-me para dar palestras motivacionais.

Sequelas emocionais

As sequelas que ficaram foi perder os meus amigos, as imagens dessa noite, às vezes também tenho pesadelos, mas já não são muito frequentes. Sigo tomando remédios para dormir também, todos os dias.

Os números da tragédia

71
Mortos
20
Membros da imprensa
19
Jogadores
14
Membros da comissão técnica
9
Dirigentes
7
Membros da tripulação
2
Convidados
+300
Trabalharam no resgate
45
Peritos na identificação das vítimas

Lesões

Não tenho nenhuma, graças a Deus, até agora. As lesões que eu tive foram: no pé, uma luxação, no pé direito, na omoplata, e a vértebra dorsal também com luxações, um corte profundo no braço direito, nos dentes, uma operação dos dentes, cirurgia plástica na parte do queixo, na boca, nariz também. Fiquei 20 dias no hospital, na Colômbia.

Sustentar a família

Estou trabalhando como modelo para sustentar minha família, além disso, estou fazendo bijuterias relacionadas a aviação

Viagens com o avião da queda

A nível nacional, ao total fiz mais ou menos 20. A nível nacional, quase todos os estados. Internacional fui ao Brasil, a Colômbia, Venezuela e Equador.

Combustível sempre no limite

Não tinha conhecimento de nada. Os únicos que sabiam eram os pilotos.

Responsável pela queda

A verdade é que não sei quem foi, aqui não é o lugar para buscar culpados, não posso acusar a ninguém e não posso dizer que ele (piloto) teve a culpa. Eu creio que Deus é o único que sabe.

Instantes antes do avião cair

Foi um voo normal. Somente nos últimos segundos que se pode dizer, que foi quando apagaram as luzes e foi como um golpe, um tremendo choque.

As 71 vítimas fatais

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Rotina e filhos

Estou indo a academia, trabalho como modelo. Estou indo a faculdade para finalizar meus estudos, faço aula de capacitação para dar palestras motivacionais. E com meus filhos estou feliz. O amor deles é que me ajudou bastante a sair das depressões em que estava

Medo de voar

Naturalmente sim, tenho um pouco, mas quero voltar a voar, quero voltar a trabalhar como tripulante. Então, estou indo a sessões com meu psicólogo para que ele possa me ajudar.

Os próximos passos

Terminar meus estudos de engenharia de controles e processos, começar a dar palestras motivacionais em vários países, ano que vem voltar a voar, que é minha meta, e terminar sendo instrutora de tripulantes de cabine

Recado aos brasileiros

Foi uma experiência muito difícil para mim, e na verdade me solidarizo muito com as famílias dos falecidos do Brasil, das famílias dos meus companheiros. Sempre estou orando por eles, além de orar pelos sobreviventes também.

Os seis sobreviventes

Alan Luciano Ruschel
Lateral da Chapecoense
Jakson Ragnar Follmann
Goleiro da Chapecoense
Hélio Hermito Zampier Neto
Zagueiro da Chapecoense
Rafael Henzel
Jornalista
Erwin Tumiri
Técnico da aeronave
Ximena Suarez
Comissária de bordo


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