Muita saudade e nenhuma solução - Gazeta Esportiva
Bruno Calió e Tiago Salazar
São Paulo - SP
12/03/2017 08:30:29
 

A dor pela perda dos familiares e entes queridos no trágico acidente aéreo com o avião que levava a delegação da Chapecoense, profissionais de imprensa e convidados a Colômbia será eterna. Mas quanto tempo durará a indefinição sobre os reais responsáveis pela maior tragédia esportiva da história?

Um ano após a queda da aeronave, a investigação sobre o que ocorreu naquele 29 de novembro de 2016 parece longe de ser concluída, e as famílias das vítimas só percebem a preocupação aumentar dia após dia. No caso que já conta com cinco pessoas presas, todos os envolvidos parecem apontar o dedo para quem não se pronuncia: o piloto Miguel Quiroga, morto no acidente e reconhecido inicialmente como um dos donos da empresa LaMia, e Marco Antonio Rocha Venegas, foragido da justiça.

Imputar a responsabilidade por 71 falecidos, porém, está longe de ser tão simples. À época, Celia Castedo, funcionária da Administração de Aeroportos e Serviços Auxiliares de Navegação Aérea da Bolívia (Aasana), avisou por meio de relatórios sobre a falta de combustível e os problemas no plano de voo da aeronave Avro Regional Jet 85. A técnica em aeronáutica responsabilizou o piloto Miguel Quiroga e a direção geral de Aviação Civil (DGAC) pela tragédia. Na Bolívia, porém, ela é apontada como uma das culpadas.

Celia está refugiada no Mato Grosso, conseguiu permissão do governo brasileiro para permanecer no país até 25 de dezembro e já pediu a prorrogação do prazo por ainda não se sentir segura em regressar a sua terra natal. Vista por como a pessoa que deu o ‘ok’ para que o avião decolasse, Celia sofreu ameaças de morte na Bolívia, onde é acusada de homicídio culposo – sem intenção de matar.

Outro funcionário da Aasana, Joons Teodovich cumpre prisão domiciliar por não ter seguido o manual de funções da Direção Geral de Aeronáutica Civil. Recentemente, Teodovich trouxe outro indivíduo ao plano de investigações: Ricardo Albacete. O ex-senador venezuelano e dono da aeronave, no entanto, se defende declarando ter apenas alugado o quadrimotor. Ainda segundo Teodovich, contudo, Albacete se apresentou ao aeroporto de Viru Viru como dono da companhia aérea LaMia e procurando espaço para seus aviões anos antes.

A acusação vai de encontro ao inquérito aberto pelo Ministério Público Federal de Santa Catarina. Os procuradores brasileiros encontraram indícios de que a LaMia não pertence de fato aos donos que constam no papel – o piloto Miguel Queiroga e Marco Antonio Rocha Venegas, foragido.

Documentos mostram que a negociação do fretamento da aeronave com a Chapecoense teve a participação de Loredana Albacete, filha de Ricardo Albacete. A venezuelana também é responsável por uma empresa que receberia, por meio de uma conta em Hong Kong, os US$ 140 mil (R$ 459 mil, na cotação mais recente) relativos ao deslocamento de Santa Cruz de la Sierra até Medellín.

A relação dos Albacetes com a negociação do voo – e possível propriedade da companhia – altera completamente a luta dos familiares na busca pelas indenizações a que têm direito. Se comprovada a ligação, Ricardo e Loredana poderão ser acionados pelo clube como “responsáveis solidários” em um procedimento chamado de “ação de regresso” – quando alguém condenado a pagar uma indenização aciona uma terceira parte como maneira de ressarcir prejuízos.


Nenhuma indenização foi paga até o momento e a perspectiva sinaliza uma longa batalha nos tribunais, principalmente pela dificuldade nos tramites judiciais diante do fato de três países estarem envolvidos na questão, cada um com a sua forma de agir e interpretar a lei. A Chapecoense chegou a pagar um seguro obrigatório e outro feito em nome de atletas e funcionários, o que exclui desse pacote aqueles que estavam a bordo, mas não tinham relação profissional com o clube.

A seguradora da LaMia, a boliviana Bisa, declarou “razões humanitárias” e se propôs a pagar US$ 200 mil à cada família, mas não deixou claro se a oferta acabaria por quitar qualquer responsabilidade futura. Na prática, para as famílias, que se representam principalmente por meio da AFAV-C (Associação dos Familiares e Amigos das Vítimas do Voo da Chapecoense) a ideia da Bisa era se livrar de vez do risco de ter de arcar com o valor total previsto na apólice, que é de US$ 25 milhões.

Os números da tragédia

71
Mortos
20
Membros da imprensa
19
Jogadores
14
Membros da comissão técnica
9
Dirigentes
7
Membros da tripulação
2
Convidados
+300
Trabalharam no resgate
45
Peritos na identificação das vítimas

A seguradora segue se recusando a pagar o montante por entender que o piloto Miguel Queiroga, deliberadamente voou sem combustível suficiente. Com isso em mente, vale lembrar uma das falas de Celia Castedo, que afirmou que seus superiores a pressionaram a alterar o relatório que apontava os problemas no plano de voo.

O diagnóstico teria sido ignorado por Gustavo Vargas Gamboa, responsável direto por autorizar a decolagem. O diretor-geral da LaMia está preso desde dezembro em Santa Cruz de Palmasola, na Bolívia.

Acusado de homicídio culposo, ferimentos graves, ferimentos culposos e desastres nos meios de transporte, Gamboa admitiu culpa apenas da primeira denúncia. De acordo com seu advogado, porém, a admissão aconteceu apenas porque o encarcerado sofre de pressão alta, teve três ataques cardíacos, tem apenas um rim funcional e precisa de insulina diariamente e, assim, optou por ser condenado para depois buscar a liberação e se tratar.

O filho de Vargas Gamboa, Gustavo Vargas Villegas também está preso. Como diretor do Registro Nacional de Aeronáutica da Direção de Aeronáutica Civil, ele autorizou a importação e o registro provisório do avião da companhia aérea em 2014.

Em meio a essa confusão que permeia a investigação por culpados e ressarcimento das famílias das vítimas, a população geral poderia ter uma luz de como os fatos se sucederam com a estreia do documentário “O milagre de Chapecó”, que tinha previsão para 30 de novembro. No entanto, a obra produzida pelo uruguaio Luiz Ara Hermida foi embargada pela justiça após solicitação formal do próprio clube.

As 71 vítimas fatais

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As famílias ficaram inconformadas por não terem sido consultadas sobre a produção e veiculação do longa e cobraram fortemente a diretoria da Chapecoense, que foi quem autorizou a produção e firmou contrato com a empresa Trailer LTDA. O clube, no entanto, agora alega que Luis Ara Hermida acrescentou cenas e fatos que fogem ao que fora combinado, apesar de reconhecer que não havia qualquer imagem dos mortos.

O descumprimento do acordo é a “arma” da Chapecoense na ação judicial, que segue normalmente independente da liminar expedida. Enquanto isso, a diretoria catarinense tenta entrar em um consenso com as famílias das vítimas no sentido de buscar um entendimento de que não há desrespeito na ideia de contar a história do clube até o fatídico dia que o avião da LaMia acabou caindo e provocando a morte de 71 pessoas.

Segundo apurou a Gazeta Esportiva, esse trabalho de convencimento será importante a partir de agora, até por isso a Chapecoense já admitiu que errou ao autorizar as gravações sem o consentimento das famílias, mas principalmente porque já há uma expectativa para que um termo de “ajustamento de conduta” seja assinado entre o clube e a Trailer LTDA. Com isso, provavelmente o documentário, atualmente embargado, seria reformulado e autorizado a ser divulgado.

O estopim partiu de uma das viúvas, que ocasionalmente assistiu ao trailer do documentário antes de um filme infantil no cinema. Imediatamente ela levou o caso à reunião entre Associação dos Familiares e Amigos das Vítimas do Voo da Chapecoense.

Os seis sobreviventes

Alan Luciano Ruschel
Lateral da Chapecoense
Jakson Ragnar Follmann
Goleiro da Chapecoense
Hélio Hermito Zampier Neto
Zagueiro da Chapecoense
Rafael Henzel
Jornalista
Erwin Tumiri
Técnico da aeronave
Ximena Suarez
Comissária de bordo

 



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