Ídolo arregaça as mangas - Gazeta Esportiva
Marcelo Baseggio e Tiago Salazar
São Paulo - SP
11/30/2017 08:30:49
 

São pouco mais de dez anos defendendo as mesmas cores, dentro e fora das quatro linhas. A identificação do ex-goleiro Nivaldo com a Chapecoense não é pequena, tampouco banal. Hoje com 43 anos, ele viveu diferentes realidades no clube catarinense. Participou de todos os acessos da equipe no cenário nacional, deixou seu nome gravado na história da agremiação, entretanto, também teve de lidar com dissabores que jamais imaginou, como o trágico acidente aéreo que deu fim à bonita trajetória daquele time comando pelo então técnico Caio Júnior.

Nivaldo chegou a Chapecó em abril de 2006, quando a Chapecoense era completamente diferente ao que é hoje. Sob uma administração amadora e repleto de dívidas, o clube esteve prestes a fechar as portas, mas ainda assim o goleiro vindo de Bento Gonçalves optou por permanecer no interior de Santa Catarina, certamente sem imaginar as inúmeras glórias que estariam por vir.

Justamente por isso, o fatídico 29 de novembro de 2016 jamais será apagado de sua memória, em especial pela perda de uma pessoa: o companheiro e concorrente de posição, Danilo. “Minha relação com o Danilo não era nem de amigo, era de irmão”, relembra o agora gerente de futebol da Chape, em contato com a Gazeta Esportiva.

Em um ambiente tão disputado e repleto de vaidade, o fato de Nivaldo enaltecer a boa relação que possuía com Danilo chama a atenção. O ex-goleiro vestiu a camisa da Chapecoense quando o clube jamais havia sonhado em figurar na elite do futebol nacional. Foi titular no acesso para a Série C, em 2009, para a Série B, em 2012, além do vice-campeonato da Segundona, no ano seguinte, fato que confirmou a presença do Verdão do Oeste na Série A em 2014. Na temporada de estreia da equipe entre os 20 principais times do país, Danilo acabou assumindo a titularidade, ofuscando o ídolo alviverde. No entanto, se engana quem pensa que houve qualquer ressentimento entre os dois nesse período.

“Tive um grande problema na minha pré-temporada. Nos dez dias de pré-temporada treinei apenas três, tive um problema na lombar e naquele momento o Danilo começou a treinar. Não conseguia acompanhá-lo e ele foi muito bem, fez aquela campanha maravilhosa em 2014. Eu sempre falo que se não fosse ele, a Chapecoense não teria permanecido na Série A. Ele foi o principal fator para que permanecêssemos na Série A. Desde o dia que ele chegou aqui nunca tivemos problemas, ele vinha na minha casa, eu ia na dele”, conta Nivaldo.

Cidadão de Chapecó há mais de uma década, o ex-goleiro da Chape também não esquece do clima que tomou conta da cidade após o acidente aéreo da delegação, considerado como a maior tragédia esportiva da história. “A cidade parou. Imagina uma cidade que não é grande, tem 200 mil habitantes, e todas as pessoas sem querer acreditar naquilo que estava acontecendo. Eu caminhava e parecia que eu não tocava o chão, também não queria acreditar”, explica Nivaldo, antes de cravar: “Sem dúvida, foi a pior semana da minha vida”.

Quis o destino que o agora gerente de futebol da Chapecoense não estivesse no voo LaMia 2933. Inicialmente, Nivaldo foi incluído na lista de jogadores que viajariam a São Paulo para enfrentar o Palmeiras, duelo em que lhe foi prometido alguns minutos em campo para que pudesse completar 299 jogos pela Chapecoense – na última rodada, contra o Atlético-MG, assumiria a meta, sendo homenageado pelo seu 300º jogo com a camisa da Chape. Porém, como a delegação não retornaria para Chapecó, saindo da capital paulista direto para Medellín, onde enfrentaria o Atlético Nacional pela ida da decisão da Copa Sul-Americana, o ex-goleiro acabou por ficar em Chapecó, uma vez que Jakson Follmann passou a ser o substituto imediato de Danilo.

Após participar do processo de profissionalização do clube e levar a Chapecoense até a elite do futebol nacional, era chegada a hora de Nivaldo ajudar a reconstruir uma agremiação completamente abalada e sem saber por onde começar. Com pouco mais de um mês para o início da pré-temporada e sem um elenco para 2017, o ex-goleiro, que passaria a assumir a função de auxiliar técnico depois de pendurar as chuteiras, teve de mudar os planos, arregaçar as mangas e trabalhar nos bastidores juntamente com todos os dirigentes que não viajaram com a delegação.


“Achei que nós não iríamos ter time nem para começar o Estadual. A gente ficou muito desolado, quebrado. Aos poucos fomos vendo que com o tempo passando poderíamos dar um jeito. Alguns clubes nos ajudaram bastante. Ficamos muito felizes quando chegou o dia da apresentação e tínhamos 25 atletas dentro do gramado. A rapaziada da base também nos ajudou bastante. O grande objetivo nosso era permanecer na Série A, tínhamos muitas dúvidas sobre isso, mas acho que com a ajuda de todos, com a cidade também nos apoiando nos momentos mais difíceis, temos que sentar, erguer as mãos para o céu e nos abraçar, porque foi um ano muito complicado. Alcançamos nosso objetivo, está de bom tamanho. Honramos aquelas pessoas que se foram”, diz, sem esconder o orgulho pessoal.

Aqui você confere, na íntegra, a entrevista exclusiva que Nivaldo concedeu à Gazeta Esportiva para o especial de um ano da tragédia com o avião da Chapecoense:

A notícia da tragédia

Na verdade, eu recebi a ligação às 4h da manhã, estava dormindo no momento. Era a minha comadre, a esposa do Cadu Gaúcho (gerente de futebol) me ligando, perguntando se eu estava sabendo do que tinha acontecido. Eu respondi a ela que não sabia de nada. Ela me disse ‘então liga a TV, porque parece que o avião da Chape caiu’. Pensei que fosse uma brincadeira, é difícil até de acreditar. Na mesma hora liguei a TV, estavam dizendo que o avião tinha feito um pouso forçado. Eu não queria acreditar naquilo e mantive a esperança de que fosse algo pequeno, um susto só. Com o passar do tempo vi que a tragédia era muito maior. Certamente esse dia foi um dos piores dias da minha vida.

Corte que salvou sua vida

O treinador, que era o Caio Júnior, mudou de ideia, porque ele resolveu poupar alguns jogadores para jogar a decisão. Como o avião não iria retornar para Chapecó, ele achou melhor já levar os atletas que ele estava com ideia de colocar contra o Palmeiras (pelo Brasileirão) e o restante dos atletas para a decisão (da Copa Sul-Americana). Tanto é que, na verdade, para a decisão poderiam só 18 atletas e viajaram 22 atletas, quatro a mais, que não poderiam ficar nem no banco. Eu ficando em Chapecó, abriria mais vagas para outros. Depois fiquei sabendo também que ele queria me levar mesmo assim, mesmo não jogando, mas alguém da direção achou melhor me deixar aqui e levar outros atletas. Por alguma razão não era para eu estar nesse voo.

Os números da tragédia

71
Mortos
20
Membros da imprensa
19
Jogadores
14
Membros da comissão técnica
9
Dirigentes
7
Membros da tripulação
2
Convidados
+300
Trabalharam no resgate
45
Peritos na identificação das vítimas

Relação com o goleiro Danilo

Minha relação com o Danilo não era nem de amigo, era de irmão. Quando o Danilo chegou na Chapecoense ele foi contratado porque eu estava machucado, nós precisávamos de um outro goleiro e o Danilo chegou quietinho, começou a treinar. Logo quando o Danilo chegou, eu voltei a treinar, inclusive cheguei a jogar sem estar 100% porque nós precisávamos. O Danilo era uma aposta que praticamente ninguém conhecia, ninguém tinha aquela segurança de colocar ele logo em um jogo na Série B, onde estávamos lutando para chegar à Série A. Começamos a treinar junto, logo percebi que era um cara bacana, diferenciado, que não media esforços para treinar, sempre procurava ajudar.

No ano seguinte, quando perdi a titularidade para ele, sempre me tratou com respeito, tenho o maior carinho por ele. Aliás, por todos os goleiros que passaram por aqui, mas em especial por ele, porque começou jogando o Campeonato Brasileiro. Tive um grande problema na minha pré-temporada e o Danilo começou a treinar… Não conseguia acompanhar ele e ele foi muito bem, fez aquela campanha maravilhosa em 2014. Eu sempre falo que se não fosse ele, a Chapecoense não teria permanecido na Série A. Ele foi o principal fator para que permanecêssemos na Série A.

Desde o dia que ele chegou aqui nunca tivemos problemas. Ele vinha na minha casa, eu ia na dele, nós éramos mais que amigos, nós éramos irmãos. É uma pena ter perdido uma pessoa como ele. Não só ele, como todos, mas especialmente ele, porque éramos muitos próximos. Foi a pessoa que mais me marcou dentro do futebol não só pelo acidente, mas também pelo fato de a gente ter uma boa convivência. Ele era um cara acima da média em todos os fatores.

As 71 vítimas fatais

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Impacto na cidade

Logo após o acidente percebi que a cidade parou. Imagina uma cidade que não é grande, tem 200 mil habitantes, e todas as pessoas sem querer acreditar naquilo que estava acontecendo. Eu caminhava e parecia que eu não tocava o chão, também não queria acreditar. Foi realmente uma dor muito grande. Aquele tempo todo para a gente esperar o retorno dos corpos, aquela semana ali foi, sem dúvida, a pior semana da minha vida. Você não encontrava uma pessoa na cidade de Chapecó que não estava com os olhos vermelhos de chorar. Muita gente não acreditando, sem saber o porquê. Percebe-se que a cidade sofreu muito. Eu falo da cidade, mas o Brasil todo, o mundo todo se solidarizou. Mas a cidade de Chapecó, sem dúvida, foi a que sentiu mais, porque tinha um convívio com aqueles atletas, já eram reconhecidos na rua, todos os que passaram por aqui tinham livre acesso com o torcedor, mesmo no momento que não era tão bom, todos respeitavam. A cidade realmente parou, você não ouvia falar mais nada.

Depois a torcida abraçou os novos atletas que vieram, jogaram junto com o time, honrando as pessoas que passaram por aqui, que se foram. Acho que foi um ano para erguermos as mãos para o céu e agradecer por tudo que a Chapecoense conseguiu fazer, pelo menos honrar as pessoas que se foram. Deixar o clube na Série A acho que era o mínimo que podíamos fazer, e a gente fica muito feliz por ter conseguido alcançar o objetivo neste ano tão difícil.

Reconstrução da Chapecoense

Foi muito difícil, sem dúvida. Quando eu cheguei aqui em Chapecó, em 2006, o clube estava totalmente quebrado, financeiramente devendo para todos. Como se diz aqui na região Sul, devendo uma vela para cada santo. O clube estava prestes a fechar as portas. Era jogar o Campeonato Estadual em 2007 e o clube só voltaria em 2008 caso não fosse rebaixado. Mas a gente conseguiu surpreender, ser campeão estadual com um time bem modesto mesmo, bem abaixo dos padrões normais da época. Dali em diante entrou uma nova direção, com um novo jeito de pensar, pensando que o clube tinha que jogar o ano todo, pagar as contas. E foi o que aconteceu. A cada ano a Chapecoense foi melhorando, chegando em decisões, conquistando acessos… Quando a gente conseguiu ter um padrão, que conseguimos chegar na Série A, com mais estabilidade, com um time base nesses últimos quatro anos, a Chapecoense sofreu o acidente.

Eu também não tinha programado estar nessa função (gerente de futebol). Fui convidado para trabalhar na Chapecoense, mas dentro do campo, como um auxiliar, até para pegar o fio da meada. De repente, da noite para o dia, você tem que pular para a parte de fora do campo e ajudar a formar uma nova equipe praticamente do zero. Posso te afirmar, com certeza, que não fui eu quem fez isso. Foi o Rui (Costa), que tem uma participação muito grande, o Maringá, o Seu Plínio, o Luiz, que estava conosco até pouco tempo, mas é um grande amigo nosso aqui da cidade. Eu só tenho a agradecer a todos eles, ao Ivan (Tozzo) também, porque no momento eu fiquei perdido. Acho que todos ficaram perdidos, sem saber por onde começar. Eu ajudei do meu jeito, do jeito que pude. Com o passar do tempo a gente vai se alinhando, tenta aprender muitas coisas. Tento aprender junto com meus colegas que já estão há mais tempo nessa área. O mérito todo é desses caras.

Formação de um novo time

Achei que nós não iríamos ter time nem para começar o Estadual. A gente ficou muito desolado, quebrado. Aos poucos fomos vendo que com o tempo passando poderíamos dar um jeito. Alguns clubes nos ajudaram bastante. Ficamos muito felizes quando chegou o dia da apresentação e tínhamos 25 atletas dentro do gramado. A rapaziada da base também nos ajudou bastante. O grande objetivo nosso era permanecer na Série A, tínhamos muitas dúvidas sobre isso, mas acho que com a ajuda de todos, com a cidade também nos apoiando nos momentos mais difíceis, temos que sentar, erguer as mãos para o céu e nos abraçar, porque foi um ano muito complicado. Alcançamos nosso objetivo, está de bom tamanho. Honramos aquelas pessoas que se foram.

Os seis sobreviventes

Alan Luciano Ruschel
Lateral da Chapecoense
Jakson Ragnar Follmann
Goleiro da Chapecoense
Hélio Hermito Zampier Neto
Zagueiro da Chapecoense
Rafael Henzel
Jornalista
Erwin Tumiri
Técnico da aeronave
Ximena Suarez
Comissária de bordo


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