“A droga é f...” - Gazeta Esportiva
Tiago Salazar
São Paulo - SP
05/01/2019 04:00:22
 

Em um universo reconhecidamente machista, preconceituoso e repleto de tabus, Walter Casagrande Júnior resolveu encarar com toda a franqueza que lhe é peculiar sua luta para se manter sóbrio. Mais que isso. Os últimos quatro anos foram de agendas lotadas, com sucessivas viagens por conta de convites a palestras e fóruns. Casão aborda a dependência química com a mesma autoridade dos comentários futebolísticos.

No quinto episódio da entrevista exclusiva à Gazeta Esportiva, o ex-centroavante não titubeia e afirma com todas as letras. “É o melhor momento da minha vida. O melhor momento que eu tenho na minha vida é hoje, profissional e pessoal”.

“Eu estou muito feliz. Meu objetivo é esse. Para mim não tem peso nenhum. Se eu tiver que viajar o Brasil todo, para ir em qualquer lugar, para ir em qualquer canto do país, para ajudar as pessoas a terem esclarecimento do que é dependência química, do risco que tem, acreditar no tratamento, aqueles que são dependentes químicos saberem que minha história deu certo e a deles pode dar. Isso não é sacrifício nenhum para mim”.

Casagrandre contou que os filhos evitam abordar o assunto ‘drogas’ dentro de casa (Foto: Sergio Barzaghi/Gazeta Press)

Com o auxílio de uma assessora para marcar eventos e conciliar sua rotina de palestrante com a vida de comentarista na Rede Globo, Casagrande fala com orgulho de sua ação e lamenta justamente a ausência de um exemplo enquanto jovem, a beira de um colapso.

“Não teve ninguém. Isso é um tabu do cacete. Para ser sincero, eu acho que eu fui a primeira pessoa pública que escancarou mesmo tudo que aconteceu, não teve medo nenhum de falar de suas derrotas, de suas perdas, dos erros, das suas fragilidades, do seu fracasso em um certo ponto. Acho que fui a primeira pessoa. E, para você ver, eu estou há quatro anos fazendo isso e não apareceu nenhum outro para dar uma mão”.

Capotar um Jeep Cherokee em 2007, na região da Lapa, em São Paulo, foi o estopim para os filhos Ugo Leonardo, Symon e Victor Hugo. O trio de herdeiros resolveu pela internação involuntária em uma clínica de reabilitação após o pai acordar de um coma no Hospital Albert Einstein. O vício em cocaína e heroína foi tratado na marra e com visitas raras dos familiares.

“Eu estava no fundo do poço, eu estava surtado, vendo demônios. Eu capotei um carro e meus filhos me internaram. Eu não sabia nem onde eu estava. Eu fui para o fundo do poço, tendo surto psicótico, vendo demônios, tive quatro overdoses. E depois que eu saí eu comecei a oscilar, eu continuei vendo demônios mesmo sem usar drogas, e eu tive uma experiência espiritual muito importante para mim”.

Ao ser indagado sobre os detalhes dessa brusca mudança de comportamento, o homem de 56 anos tão bem articulado e eloquente busca as palavras mais simples.

“Foi dessa experiência espiritual que tudo acabou. Foi assim (estalar de dedos). Cinco minutos antes estava uma merda, dez minutos depois estava maravilhoso. Desse jeito que eu estou te falando”, conta, com ênfase nas palavras.

Casagrande começou usando maconha, mas se afundou com cocaína e heroína (Foto: Sergio Barzaghi/Gazeta Press)

“Não fui em nenhum lugar. Jesus teve a presença na minha casa quando eu precisei. Eu não sou evangélico, não vou em templo nenhum, já dei depoimentos em igrejas evangélicas, mas vou em igreja católica, para mim não tem problema nenhum. Eu não tenho religião e não preciso de templo para isso. Eu tenho Jesus no coração, e de verdade, porque o que ele demonstrou para mim foi uma das coisas mais maravilhosas da minha vida. E minha vida mudou pela presença dele”.

Casagrande não se converteu a uma religião específica, não deixou de curtir seu bom e velho rock in roll, manteve o estilão descolado, sem vergonha dos palavrões. Jesus se tornou um companheiro dentro de uma personalidade imutável de Casão.

“Todo mundo sempre tem a presença de Cristo na sua vida. É você olhar e se entregar para ele. É que a gente fica no meio de deslumbramentos, festas, bebidas, mulheres, drogas… Droga é f…, cara. A droga te envolve de tal maneira que você fica… Jesus quer entrar na sua vida e você não deixa, você vai para outro lado mesmo, entendeu?!”, aponta, arrependido.

“Quando entrou a cocaína foi uma m… Na época que era só maconha, a gente se divertia, dava risada. Na época que entrou a cocaína, a gente fazia as mesmas coisas e não tinha graça nenhuma. Todo mundo com cara feia”.

O semblante sério, apesar de bem disposto por todo o tempo, tem relação com a conclusão de Casagrande sobre o tema durante a sabatina. A preocupação claramente não é apenas consigo. O recado precisa ser enviado e um dos pilares do movimento que marcou a Democracia Corinthiana quer ser exemplo.

“O dependente químico que entra em tratamento tem de alcançar o patamar em que as histórias dele com drogas não têm mais valor. Quando o cara está contando a história dele e ainda tem uma risadinha, ele está vendo glamour na história. E não pode ter glamour, porque não teve glamour”.



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