Familiares, colegas e historiador ainda veem Tite empatado com Brandão - Gazeta Esportiva
Helder Júnior*
São Paulo (SP)
12/01/2015 13:59:30
 

Aos 64 anos, no final da última de suas cinco passagens como técnico do Corinthians, Oswaldo Brandão escutou gritos mal-agradecidos de quem estava nas arquibancadas: “Ado, ado, ado! Brandão está superado!”. Quatro anos antes, ele conquistara o mais comemorado título da história do clube, o Campeonato Paulista de 1977, encerrando um jejum de conquistas expressivas que perdurava desde 1954 – quando o mesmo treinador liderou o esquadrão campeão estadual no IV Centenário da cidade de São Paulo. E hoje, 34 anos depois, passou a ser novamente visto como “superado” por alguns corintianos.

O candidato a superar o falecido Brandão, natural de Taquara (RS), como o mais significativo técnico da história do clube do Parque São Jorge é outro gaúcho. Nascido em Caxias do Sul, Tite se tornou ídolo do Corinthians a partir de uma série de conquistas – além do Campeonato Brasileiro deste ano, título que já havia alcançado em 2011, colocou no currículo a Copa Libertadores da América e o Mundial de Clubes em 2012 e o Campeonato Paulista e a Recopa Sul-americana em 2013.

“Comparar os títulos é uma covardia porque, no tempo do Brandão, não havia esses campeonatos. Em termos de importância, é claro que o Tite está na frente. Agora, o Brandão ganhou dois títulos imortais. Os dois técnicos ainda estão cabeça a cabeça”, opinou o jornalista Celso Unzelte, historiador do Corinthians, colocando os 435 jogos de Brandão a serviço do clube como um diferencial. Tite terminará 2015 com 342. “Se ficar mais um ano, ele superará o Brandão em partidas. Aí, acho que haverá um argumento forte para o desempate.”

Brandão, pai de Regina, era tão apegado à família quanto Tite, pai de Matheus (fotos: Acervo/Gazeta Press e Daniel Augusto Jr./Ag. Corinthians)
Brandão, pai de Regina, era apegado à família como Tite, pai de Matheus (fotos: acervo/Gazeta Press e Daniel Jr./Ag. Corinthians)

Ainda sobram argumentos fortes para o empate. Principalmente para quem conviveu com Oswaldo Brandão. A filha dele, Regina, chega a se impressionar com as semelhanças que percebe entre os dois ídolos corintianos. “O que dá para comparar é a conduta dos dois. Quando vejo o Tite falando certas coisas… Papai era igual”, sorriu. “Ambos são muito assertivos, objetivos e têm a delicadeza de perceber o que estão sentindo os seus jogadores. Para você ter uma ideia, papai abraçou tudo em 1977. O pessoal estava desmotivado, alguns cansados, e ele trabalhou o psicológico de cada um. Dentro de casa, a situação ainda era extremamente difícil porque o meu irmão (Márcio) estava muito mal e veio a falecer no ano seguinte. Papai encarou todos esses desafios, assim como o Tite diz fazer com o time de hoje”, equiparou, lembrando que o treinador do presente também é bastante apegado à família. Matheus, seu filho, virou até auxiliar em 2015.

A doença de Márcio, acometido por um câncer cerebral, fez com que Brandão substituísse o filho como padrinho de batismo do publicitário Ubirajara Carratu. Neto de Eduardo Bonifácio dos Santos (um antigo boxeador e conselheiro do Palestra Itália que incentivou o início de carreira do treinador), Bira fala com entusiasmo sobre o período do seu nascimento. “Sou da Mooca, de uma família de palmeirenses. Imagine como estava o clima naquela época, com o Corinthians sendo campeão depois de tanto tempo. Para os meus parentes, era uma fase de derrota. Restava a alegria pelo Brandão, grande amigo de todos nós, que teve um alento para o sofrimento que enfrentava dentro de casa”, comentou.

A agonia de Brandão serviu também de incentivo para os atletas do Corinthians na histórica final contra a Ponte Preta. Às vésperas da partida decisiva, o comandante viu Palhinha chegar mancando ao Parque São Jorge e perguntou-lhe se estaria no gramado do Morumbi. “Acho que não. Está doendo muito. Quase não posso andar”, lamentou o grande reforço corintiano para aquele Campeonato Paulista, cujo desfalque se confirmou. “Você é feliz. Tua dor quase não te deixa andar. A minha dor, Palhinha, não se levanta da cama há seis meses”, respondeu o pai de Márcio e Regina, que seria homenageado por todos os seus comandados com o título de 1977.

Com a doença de Mário, Brandão se tornou padrinho de Ubirajara; Regina é a madrinha (foto: acervo pessoal)
Com a doença do filho Márcio, Brandão se tornou padrinho de Ubirajara; Regina é a madrinha (foto: acervo pessoal)

Um deles guarda com carinho outra conversa que teve com o “Seu Brandão”, como respeitosamente fala até hoje, na manhã que antecedeu a final. “Todo o mundo me pergunta sobre isso e ainda fico arrepiado de lembrar”, observou Basílio, o autor do gol da vitória em cima da Ponte. “Naquele dia, ele abre a porta do quarto já rindo, vai abrindo também a janela e diz que não fará teste algum para saber se vou para o jogo. Conta que teve um sonho, que vamos ganhar por 1 a 0 e eu, o Neguinho, como ele me chamava, vou fazer o gol”, rememorou.

Já campeão e consagrado como herói, Basílio recebeu a permissão de Brandão para abordar o assunto enquanto passeava com os seus pés de anjo à beira da piscina de uma concentração do Corinthians. “Ele sabia que eu estava louco para perguntar. Aí, apontou os livros kardecistas que tinha e disse que era naquilo em que acreditava. O Seu Brandão foi um homem de muita fé, sofrido pelo problema que teve com o filho. Acompanhei aquilo tudo, vi a força que tinha para trabalhar. É um exemplo de vida”, enalteceu.

Assim como ocorreu com Tite depois da Libertadores de 2012, Brandão se tornou mais do que um exemplo em 1977. “Ele ganhou um apartamento do Vicente Matheus, então presidente, e foi colocado como um Deus dentro do Corinthians”, apontou o afilhado Ubirajara, recorrendo a mais um ícone corintiano para distanciar os anos 1970 da década de 2010. “O Tite é excepcional, mas acho impossível fazer uma relação. É como tentar substituir Ayrton Senna. É o Senna! Então, sem comparar, Tite e Brandão foram dois técnicos fundamentais para a história do Corinthians, que contribuíram efetivamente para mudanças”, definiu, com a propriedade de quem já sentiu os efeitos do sucesso de Brandão. Em 2012, no auge da trajetória de Tite, Ubirajara foi contratado para ser diretor de marketing do ABC justamente por causa da ligação com o ex-treinador. A passagem foi decepcionante, e ele voltou a concentrar esforços em sua agência em Natal.

Sem um Mundial para disputar, Brandão entrou para a história com o esquadrão campeão paulista do IV Centenário (foto: Acervo/Gazeta Press)
Sem um Mundial para disputar, Brandão fez história com o esquadrão campeão do IV Centenário (foto: acervo/Gazeta Press)

Para José de Souza Teixeira, preparador físico do Corinthians campeão de 1977 e também ex-treinador, Brandão paga o preço da falta de propaganda na disputa com Tite. “Infelizmente, tudo o que foi feito no passado costuma acabar esquecido. Não quero tirar o mérito do Tite pelo que está construindo, mas, para nós, com a mentalidade de um país jovem, tudo é momentâneo. Quando as novidades dão frutos, como é o caso do Corinthians do Tite, são levadas em consideração. Mas temos que reconhecer os méritos dos trabalhos anteriores”, cobrou.

Teixeira reconhece os méritos do trabalho atual. Mesmo sem gostar de se comunicar por telefone – só o faz “quando tem alguma coisa mais especial para dizer” –, ele abre para Tite a exceção de trocar mensagens de texto. O antigo preparador físico corintiano conheceu o técnico quando este ainda era meia do Guarani, na condição de adversário. “O Tite sempre foi uma pessoa que admirei muito. Tem o mesmo jeito família do Brandão e sabe arregimentar todo o grupo em torno de uma ideia, que é aquilo que o Brandão fazia e que dá resultado. O caminho é o mesmo”, assentiu.

As glórias, no entanto, são outras. “Ih, rapaz… O título de 1954 foi inédito, pois IV Centenário só tem uma vez. Já o título de 1977 abriu as portas para tudo ficar mais fácil para os outros que viriam comandar o Corinthians. Naquele tempo, a Libertadores não tinha tanto valor e o Mundial não existia. Mas, se a gente quiser saber quem foi melhor… Eu não escolheria um, já que os dois alcançaram os seus objetivos. Eles se equivalem. Põe empate aí”, decretou Teixeira, reticente, mas seguindo a linha de Celso Unzelte.

Historiador corintiano vê idolatria a Tite semelhante à dos são-paulinos por Telê Santana (fotos: Gazeta Press)
Historiador corintiano vê idolatria a Tite semelhante à dos são-paulinos por Telê Santana (fotos: Gazeta Press)

Presente em Itaquera na reta final do título brasileiro de 2015, o jornalista e historiador viu e ouviu de perto a idolatria dos corintianos por Tite. Ninguém gritou que “Brandão está superado”, porém todos ovacionaram o treinador campeão mundial de um modo que fez Unzelte recordar uma referência do rival São Paulo. “O Tite está se aproximando de ser o segundo técnico brasileiro ídolo de um clube. Reconhecido dessa forma, como se fosse um jogador, só o Telê Santana no São Paulo. É uma situação diferente do que aconteceu com o Brandão, que foi treinador de grandes ídolos, como Cláudio, Luizinho, Baltazar, todo o mundo. Em 1977, o time era mais fraco e o Brandão catalisava as coisas, mas, ainda assim, eram os jogadores os protagonistas. Hoje, é o Tite”, elegeu.

Basílio não chega a se arrepiar com Tite tanto quanto ocorreu em 1977 e em outros episódios vivenciados ao lado de Brandão. Como quando ouviu que era um “palhaço” por achar que teria permissão para ser vendido para o Porto, de Portugal, ou ao receber um voto de confiança pelo seu “caráter” após se expressar mal em uma entrevista, dando a entender que havia criticado o time. “O Seu Brandão teve 40 anos de história como treinador. Veja só: você está me telefonando agora, muito tempo depois do título de 77, somente por causa do que ele fez. O Tite ainda é jovem e está caminhando para ser assim, de uma maneira positiva. Vai superar um dia”, vaticinou o homem que sabe como desempatar uma disputa. Que o digam a Ponte Preta e o próprio Oswaldo Brandão.

*Colaboraram Marcos Guedes e Bruno Ceccon



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