Fenômeno também fora de campo - Gazeta Esportiva
Cecília Eduardo*
São Paulo
03/06/2019 09:00:18
 

Rodeado de expectativas para buscar títulos nos 100 anos do Corinthians, no final de 2010 a frustração foi a emoção que tomou elenco e torcida, após uma temporada de altos, baixos, eliminações e uma campanha irregular na briga pelo Campeonato Brasileiro.

Para Ronaldo, 2010 teve um gosto ainda mais amargo, já que, após um 2009 surpreendente, o ano do Fenômeno foi mais fora do que dentro do campo. Em três competições, foram apenas 27 partidas com 12 gols marcados. Vítima de lesões, dores e fora da melhor forma, o camisa 9 teve um ano bem abaixo do esperado.

O drama começou logo no segundo jogo oficial da temporada, contra o Mirassol, pelo Campeonato Paulista. Ronaldo sentiu uma lesão que o deixou afastado por um mês, voltando a atuar já pela Copa Libertadores, contra o Racing.

2010 foi um ano de altos e baixos para Ronaldo (Foto: Marcelo Ferrelli/Gazeta Press)

Brigando com a balança e sem estar 100%, Ronaldo não teve o mesmo poder de decisão que mostrou em 2009, além disso, o Corinthians ainda contava com atuações coletivas irregulares, ora fazendo bons jogos, ora decepcionando. E logo na primeira oportunidade de conquistar um título, o time ficou fora da fase final do Paulista.

Pela Libertadores, maior sonho de consumo corintiano da época, a campanha na fase de grupos foi boa, e ainda contou com Ronaldo fora de apenas um dos oito jogos que o time fez em toda a competição. Foram três gols marcados e o encontro nas oitavas de final com o time do coração do Fenômeno.

Adriano e Ronaldo eram as referências de Fla e Corinthians (Foto: Marcelo Ferrelli/Gazeta Press)

Em dois jogos marcantes, Corinthians e Flamengo fizeram um clássico com astros em campo. Ronaldo do lado alvinegro e Adriano Imperador e Vagner Love como protagonistas do time carioca. O primeiro jogo, debaixo de uma tempestade no Maracanã, foi marcado por ofensas por parte da torcida rubro-negra para o Fenômeno. Pouco mais de um ano antes, Ronaldo começou a recuperação de sua última cirurgia no Flamengo, criando uma expectativa de que pudesse atuar no clube que nunca escondeu ser seu time de infância.

Debaixo do temporal, o Flamengo conseguiu levar a vantagem para o segundo jogo, com gol de Adriano, de pênalti. Na volta, no Pacaembu lotado e precisando de dois gols, o Corinthians foi para o intervalo com o resultado necessário, sendo um gol de Ronaldo. Mas, logo na volta dos vestiários, Love descontou e o 2 a 1 deu a vaga ao Fla. Era o fim do sonho de vencer a Libertadores no ano do centenário.

À essa altura, o Campeonato Brasileiro começava e o Corinthians se agarrou na possibilidade de levantar a taça do Nacional para fechar a temporada com uma conquista. E foi justamente nessa competição que o time menos contou com a presença do seu camisa 9. 11 jogos e seis gols foram a contribuição do Fenômeno para o time, já que mais lesões o tiraram de combate ao longo do torneio.

Depois da estreia, na primeira rodada contra o Athletico, em que marcou um gol, Ronaldo voltou a jogar de verdade só nas últimas oito partidas do campeonato. Entre o jogo contra o Furacão e a 30ª rodada, contra o Guarani, foram só duas participações do Fenômeno e um Corinthians que se manteve na briga pela ponta da tabela durante todo o Brasileirão.

Um pouco antes da volta de Ronaldo, no entanto, o Corinthians se desencontrou, perdeu Mano Menezes para a Seleção Brasileira e, com Adilson Batista, o time caiu de produção. Foram sete jogos sem vencer que renderam a perda da liderança, complicando o caminho para o título.

Abaixo fisicamente, Ronaldo não foi capaz de levar o Corinthians ao título nacional (Foto: Djalma Vassão/Gazeta Press)

A chegada de Tite e o retorno de Ronaldo ao time fizeram o Corinthians acordar e voltar a vencer, mas, sem depender de si mesmo, o clube chegou à última rodada com chances mínimas de ser campeão e, para completar, fez um jogo ruim contra o rebaixado Goiás, que o tirou da segunda colocação e da classificação direta para a Libertadores do ano seguinte.

Foi graças aquele empate com o clube goiano que o Cruzeiro tomou o vice-campeonato do Corinthians e fez o Alvinegro ser obrigado a encarar a pré-Libertadores, que colocaria o Tolima no caminho do time e mudaria o rumo de Ronaldo em 2011, mesmo depois de o próprio Fenômeno ter saído de campo depois do jogo contra o Goiás falando que a pré-Libertadores ‘não seria um problema para o Corinthians’.

Efeito Tolima

Ronaldo resolveu pendurar as chuteiras após a eliminação na pré-Libertadores (Foto Marcelo Ferrelli/Gazeta Press)

A pré-temporada do Corinthians começou cedo em 2011. Eram só três jogos pelo Campeonato Paulista antes da pré-Libertadores e o time não convenceu até lá. Uma vitória e dois empates precederam o jogo contra o time colombiano. Para completar, Ronaldo estava acima do peso e o time pressionado. O vexame foi tão grande que esse foi o último capítulo do Fenômeno como jogador de futebol.

Mesmo com o Corinthians invicto sob o comando de Tite, o time entrou no campo do Pacaembu apático, sem vida, e levou um 0 a 0 para a decisão na Colômbia. Ainda que diante de um adversário desconhecido e sem muita tradição, o Timão viajou com uma pressão gigante nas costas e o jogo mostrou mais uma vez um Corinthians sem nenhuma reação dentro de campo. 2 a 0, junto com a atuação fraca e as infinitas provocações foram o bastante para o futuro de Ronaldo no clube ficar sob um enorme risco.

E logo depois de Roberto Carlos sair pela porta dos fundos do clube, esse risco de Ronaldo também tomar o caminho da aposentadoria se concretizou em seguida. Revelando estar sob constante dores, não conseguir perder peso e ainda descobrir um problema na tireoide, o Fenômeno resolveu pendurar as chuteiras aos 34 anos.

“Eu queria continuar, mas não consigo. Penso uma jogada, mas não executo como quero. Tá na hora. Mas foi lindo pra caramba.”

Depois de apenas quatro jogos oficiais em 2011, Ronaldo encerrava o ciclo no Corinthians e como jogador de futebol. Três vezes eleito melhor do mundo, campeão de uma Copa do Mundo e reconhecido como um dos maiores centroavantes da história do esporte, o Fenômeno fez do Corinthians o sétimo e último clube defendido em sua carreira.

Ronaldo se emocionou ao anunciar a aposentadoria, aos 34 anos (Foto: Marcelo Ferrelli/Gazeta Press)

Homem de negócios

Mas não foi só dentro de campo que o Corinthians colheu frutos da genialidade de Ronaldo. Uma figura do tamanho do Fenômeno trouxe enorme visibilidade ao clube que até hoje rende resultados de uma parceria que seguiu fora dos gramados após a aposentadoria do camisa 9.

Durante sua passagem, muito se falava de quão grandioso era o Fenômeno jogar no Corinthians, mas talvez tenha sido mais fácil perceber isso após ele pendurar as chuteiras, com inúmeras consequências da parceria feita entre ele e o clube.

Vivendo tudo isso de perto, Chicão não esconde que era perceptível lá dentro que Ronaldo era uma chave que o time usou para mudar muitas coisas. “A gente tinha noção, porque se tratava de um fenômeno, de um atleta que conquistou tudo pelos clubes que passou e pela Seleção Brasileira, várias vezes melhor do mundo, um exemplo de superação e humildade. Tenho certeza que quem jogou e quem participou disso se sente privilegiado. Sempre foi ídolo e quando ele chegou, percebemos que as coisas no Corinthians poderiam mudar, como de fato mudaram. Teve o CT, e ai as coisas começaram a andar, consequentemente, chegamos a títulos importantes”, disse o ex-capitão corintiano à Gazeta Esportiva.

Além de transformar a camisa do Timão em uma peça valiosa de publicidade, posição que o time aproveitou por anos, Ronaldo viabilizou que o clube tivesse caixa para a construção do tão sonhado CT, um dos mais modernos do país. Foi justamente o dinheiro dos patrocinadores que chegaram pós-Ronaldo que financiou as obras do CT Joaquim Grava, finalizadas em 2010.

Estruturado, a partir de 2011 o clube colecionou taças. Pouco depois veio a Arena, finalizada em 2014, impulsionando ainda mais a marca do Corinthians, que conseguiu manter um time competitivo ao longo de uma década, ainda que temporadas difíceis tenham sido vividas.

Em 2015, mais uma jogada em conjunto com Ronaldo chegou ao Corinthians. Idealizado pelo então fisioterapeuta do clube, Bruno Mazziotti, o CT ganhou um laboratório de recuperação com o nome do Fenômeno. O Laboratório Corinthians R9 foi fruto de diversas parcerias e incentivado pelo próprio Ronaldo, sendo uma peça que colocou o CT do clube em outro patamar no cenário nacional.

O retorno de Andrés Sanchez à presidência do Timão trouxe de volta uma certa proximidade do Fenômeno ao clube, que vez ou outra recebe Ronaldo em suas dependências, seja no CT ou na Arena. A novidade mais recente da parceria vem direto do Lab R9, que levou no começo de 2019 um treino de habilidades inspirado em um famoso sistema que surgiu na Alemanha, focando na pontaria dos jogadores, deixando o CT ainda mais moderno e avançado.

Ronaldo entrou para a história do clube e é um dos ídolos do século XX da Fiel  (Foto: Sergio Barzaghi/Gazeta Press)

E mais de dez anos depois da chegada ao Corinthians, a influência fenomenal ainda dá as caras e vai se misturando à história do clube. É difícil prever até quando as consequências da parceria entre time e jogador vão render, mas é possível dizer que o Timão segue colhendo tudo o que tem direito por ter feito parte do capítulo final da carreira de um dos maiores camisas 9 do futebol.

 

*Especial para Gazeta Esportiva



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