Sintonia fina - Gazeta Esportiva
Fernanda Silva
São Paulo
06/26/2018 08:00:30
 

“A coisa mais importante nesse jogo foi eu querendo saber se meu pai estava ouvindo a partida, porque, nessa época, não tinha televisão em Bauru”. Se o corpo estava no Nya Ullevi, estádio sueco, para a partida entre Brasil e URSS – e como estava – a mente de Pelé estava longe dali, como relembra o camisa 10, em entrevista exclusiva à Gazeta Esportiva. Era 15 de junho de 1958. O Rei ainda não conhecia a monarquia. Tinha apenas 17 anos. Era jovem, menino. Talvez, nem assustasse os adversários. Estreava, naquele dia, em uma Copa do Mundo, mas não sabia se seu pai, João Ramos do Nascimento, mais conhecido como Dondinho, conseguia acompanhar o momento, a mais de 10 mil quilômetros dali, no interior de São Paulo.

O Brasil vinha de uma vitória por 3 a 0 sobre a Áustria e um empate sem gols com a Inglaterra, e duas ausências de Pelé, afastado por lesão. Ao lado de Garrincha, o caçula da equipe era a esperança do time. Ao longe, os brasileiros não podiam acompanhar as disputas pela TV e a internet só chegaria no País 30 anos mais tarde. Para se ter uma ideia, a TV Tupi havia sido inaugurada apenas oito anos antes. Mas ainda não era suficiente.

Em 1958, o Brasil não era o Brasil que conhecemos. O real não era a moeda e o cruzeiro imperava. O LP de 12 polegadas surgia, os cigarros com filtro, o café solúvel, o automóvel nacional e o bambolê eram novidades. “Havia um cheiro de novo em 1958”, escreveu Ruy Castro sobre o ano. “O novo era bem-vindo, e havia algo que bem o simbolizava: o radinho de pilha. Por todo mês de junho daquele ano, ele seria uma extensão de nossos ouvidos -e corações”, completou o escritor nacional.

Grandes ações eram promovidas pelas rádios para transmissão dos jogos (Foto: Acervo/Gazeta Esportiva)

“Todo mundo acompanhava pelo rádio. Quando sair um gol, ia todo mundo a para a rua, saltava, pulava, em uma época em que a periferia de São Paulo era de rua toda de terra. Era uma festa. Fazia oito anos que o Brasil tinha perdido uma Copa aqui no Brasil, então isso era uma loucura”, destaca Carlos Augusto Marconi, engenheiro mecânico e aficionado na Copa, que, na época, era apenas uma criança. “Passavam-se dois, três dias, apareciam alguns trechos de vídeo. Era o que tinha”. Na final do campeonato, por exemplo, 36 emissoras de todo mundo transmitiram o jogo Brasil x Suécia.

Enviando informação

Para acompanhar a Seleção foram à Suécia oito redes de emissoras, sendo seis cadeias do Rio e de São Paulo, e mais uma de Belo Horizonte e outra de Porto Alegre. “O incômodo estava na transmissão, cujo volume subia e descia sem parar, forçando os aflitos donos de rádios a ficar aumentando e baixando o volume durante 90 minutos”, conta Max Gehringer, autor do livro “Almanaque dos Mundiais”. Quando a transmissão era boa, não faltavam elogios. “Descrição perfeita e feliz. Magnífico som enviado, dando uma visão completa aos milhares de ouvintes sobre o que foi a sensacional vitória do brasil ante a União Soviética”, escreveu A Gazeta Esportiva, sobre a Rádio Panamericana.

Ao todo, o Brasil enviou 58 profissionais à Suécia, a terceira maior equipe de comunicação da Copa. Seis deles eram da Gazeta Esportiva que, no dia seguinte de cada embate, não poupavam detalhes. Como pouco se via, cada pista era preciosa para o imaginário do povo brasileiro, ansioso para conhecer as novidades que atravessam o oceano e chegavam no impresso. O clima, o uniforme dos atletas, a agitação da torcida. Tudo ficava registrado.

Descrição perfeita e feliz. Magnífico som enviado, dando uma visão completa aos milhares de ouvintes

Para dimensionar a importância dos jornais e sua circulação em terras tupiniquins, a Gazeta Esportiva bateu três recordes de tiragem durante a sexta participação brasileira em uma Copa do Mundo. O primeiro deles aconteceu no jornal que noticiava a estreia de Pelé no torneio. Dois dias depois da partida, a primeira página da publicação celebrava seu recorde de tiragem no dia após o triunfo. Foram 263.340 exemplares. Para celebrar o feito, uma chopada e coquetel foram oferecidos à redação. O fato era manchete.

Primeiro dos três recordes de tiragem de A Gazeta Esportiva (Foto: Acervo/Gazeta Press)

Assim como os vídeos, muitas vezes, as fotos também demoravam para chegar. O registro do primeiro gol de Pelé, feito em 19 de junho, em cima do País de Gales, que também valeu a classificação do Brasil para a próxima etapa, as quartas de final, foi publicado apenas quatro dias depois. Imediatismo não era lei.

Primeiro gol de Pelé em uma Copa do Mundo (Foto: Acervo/Gazeta Press)

Conexão com o Brasil

Durante a Copa do Mundo, milhares de telegramas também chegavam até as cidades onde os brasileiros estavam, incentivando-os à vitória. Eram clubes esportivos, amadores e profissionais, federações, confederações, desportistas, políticos, casas comerciais, jornalistas e familiares que não queriam deixar de parabenizar o time a cada resultado positivo e tampouco de empurrá-los rumo aos próximos triunfos. “O doutor Paulo Machado de Carvalho não tem um momento de tranquilidade sequer, pois vive lendo os telegramas que lhe chegam e transmites aos jogadores os detalhes do mesmos. Os brasileiros, mesmo à distância, estão sendo justos ao seu selecionado”, destacava A Gazeta Esportiva.

Dois dias depois, a gente ficava sabendo que estava uma festa danada no Brasil, porque ganhamos, fomos classificados.

“Dois dias depois, a gente ficava sabendo que estava uma festa danada no Brasil, porque ganhamos, fomos classificados. A gente sabia porque os jornalistas que estavam cobrindo falavam: ‘Está uma loucura no Brasil inteiro. A gente ganha, do norte ao sul, todo mundo tá eufórico’”, relembra Pepe, convocado da Seleção na ocasião. “O telefone também não era normal”.

“Com meus pais, conversamos, às vezes, por telefone, rapidinho, porque era muito caro, e eles diziam: ‘Aqui está uma festa incrível, Pepinho. Quando o Brasil ganha, soltam fogos, a torcida sai toda para as ruas’”, relembra Pepe, que confessa, com brilho nos olhos que amava conversar com seus pais nos períodos entre jogos.



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