Um final de semana para a Fórmula 1 lamentar - Gazeta Esportiva
Lorenzo Meyer*
São Paulo, SP
04/30/2019 08:30:46
 

O GP da San Marino de 1994 é lembrado até hoje como um dos finais de semana mais trágicos da Fórmula 1. Além da morte de Ayrton Senna, a corrida em Ímola vitimou o austríaco Roland Ratzenberger no treino classificatório e por muito pouco não interrompeu a carreira de outro brasileiro. A prova, inclusive, poderia não ter acontecido após os dois acidentes gravíssimos nos treinos.

Exatos 25 anos depois da morte de Ratzenberger, a Gazeta Esportiva reconta um dos finais de semana mais terríveis da história da principal categoria do automobilismo mundial.

A sexta-feira que quase acabou com a carreira de Barrichello

Rubens Barrichello, no início da carreira, com o já consagrado Ayrton Senna (Foto: Reprodução)

O clima de preocupação no autódromo de Ímola, localizado na região norte da Itália, começou logo na sexta-feira, quando aconteceram os treinos os livres. Durante a sessão da tarde, o brasileiro Rubens Barrichello, envolveu-se no primeiro grave acidente do GP. Sem controle de sua Jordan, o piloto passou por cima de uma zebra e voou da pista a mais de 200 km/h, chocando-se violentamente contra uma barreira de pneus.

Desacordado nos primeiros momentos do socorro, Rubinho, com apenas 21 anos à época e tido como uma das grandes revelações, sugeria que algo muito grave havia acontecido. O treino chegou a ficar interrompido por cerca de 20 minutos. Mas, por sorte, as notícias foram tranquilizadoras.

No fim, Barrichello saiu desse acidente com pequenas escoriações e o nariz quebrado, ferimentos suficientes para tirá-lo da corrida de domingo. Buscando saber a situação do compatriota, Senna foi ao hospital em que Rubinho estava, e deixou o local com os olhos marejados, assim como no GP da Espanha de 1990, quando acompanhou da pista a assistência médica ao irlandês Martin Donnely.

A primeira vítima do final de semana

Roland Ratzenberger morreu com 34 anos (Foto: AFP)

Se Rubens Barrichello teve sorte, o mesmo não pode ser dito para Roland Ratzenberger. Em sua primeira temporada na Fórmula 1, o piloto da Simtek não conseguiu contornar a curva Villeneuve e bateu com o carro em um muro de concreto, provocando uma fratura em seu crânio pela força do impacto a mais de 300 km/h

O acidente, por coincidência, começou a se formar na curva Tamborello, quando a asa dianteira praticamente se soltou fazendo-o perder totalmente o controle do carro. Uma volta antes, a peça já havia demonstrado problemas, mas o austríaco, precisando de uma volta rápida, decidiu ficar na pista. Levado às pressas ao hospital, o piloto não resistiu aos múltiplos ferimentos e faleceu.

A morte de Ratzenberger representou à Formula 1 o primeiro acidente fatal desde 1986, quando a categoria adotou sérias medidas de segurança após a morte de Elio de Angelis no circuito de Paul Ricard, na França. Bastante emotivo, Senna sentiu muito a morte do companheiro e chorou nos ombros do chefe da equipe médica de pista, Sid Watkins. O neurocirurgião, inclusive, anos depois, confidenciou que pediu para Ayrton abandonar a F1 naquele dia.

Senna reuniu pilotos a fim de mudanças e poderia ter mudado o destino

Já experiente, Senna era um dos líderes entre os pilotos da F1 em 1994 (Foto: Jean-Loup GAUTREAU and Pascal PAVANI / AFP)

Após saber da morte de Ratzenberger, Senna reuniu os pilotos para recriar a antiga Comissão de Segurança dos Pilotos, a fim de pedir melhorias na segurança da F1. Como um dos participantes mais experientes da categoria, ele se ofereceu para liderar o movimento. Por alguns instantes, os pilotos cogitaram não correr, mas atenderam a um pedido da FIA e concordaram em competir no dia seguinte.

Ayrton saiu na pole, mas a Benetton de J.J Lehto “morreu’ na largada e Pedro Lamy, da Lotus, não conseguiu desviar. No acidente, partes dos carros voaram para a arquibancada e feriram nove pessoas. Apesar dos pilotos sequer se machucarem, o safety car foi acionado e ficou na pista por cinco voltas até que o local do ocorrido fosse limpo.

O fatídico acidente na curva Tamborello

Senna em sua Wlliams em 1994 (Foto: JEAN-LOUP GAUTREAU/AFP)

Durante o período em que o carro de segurança esteve em ação, a temperatura dos pneus baixou. Na reunião antes da prova, Ayrton já havia demonstrado sua preocupação pelo fato do safety car não ser suficientemente veloz para manter a temperatura das composições.

Duas voltas depois da relargada, Senna liderava e entrou na curva Tamborello, onde perdeu o controle do carro e se chocou violentamente contra o muro de concreto. A telemetria, posteriormente, mostrou que Ayrton até conseguiu reduzir a velocidade de cerca de 300km/h para 200km/h. Por conta da força do choque, uma bandeira vermelha, que sinalizava para que todos os carros voltassem aos boxes até segunda ordem, foi levantada na hora com o intuito de proteger os responsáveis pelo resgate do brasileiro.

A equipe Larrousse, entretanto, teve problemas na comunicação e acabou deixando Érik Comas sair do pit-stop e voltar à corrida quando ela já havia sido interrompida. Os comissários agitaram nervosamente suas bandeiras para avisar Comas da situação enquanto ele se aproximava do local do acidente em alta velocidade. Se não fosse por essa atitude, o francês poderia ter acertado o helicóptero que aguardava para levar Senna ao hospital.

Uma esperança passageira

Ayrton Senna faleceu aos 34 anos (Foto: AFP)

As imagens do atendimento médico a Ayrton foram transmitidas mundialmente, sem cortes, através do sinal gerado pela emissora italiana RAI. Em determinado instante, a cabeça do brasileiro se mexeu levemente, e o mundo, que acompanhava pela televisão, imaginou que nada de mais grave havia acontecido, mas esse movimento aconteceu em decorrência de um forte dano cerebral.

Senna foi removido de sua Williams completamente destroçada por Sid Watkins, neurocirurgião de renome mundial, recebeu os primeiros socorros ainda na pista e foi levado de helicóptero ao Hospital Maggiore de Bolonha. A esperança de todo o mundo, sobretudo dos brasileiros, foi encerrada duas horas e 20 minutos depois que Schumacher venceu o terrível GP de San Marino, quando a equipe médica anunciou a morte cerebral do tricampeão da categoria.

Posteriormente, Watkins declarou o que a grande maioria das pessoas já desconfiava:

Ele estava sereno. Eu levantei as pálpebras e estava claro, por conta de suas pupilas, que ele teve um ferimento maciço no cérebro. Nós o tiramos do cockpit e pusemos no chão. Embora eu seja totalmente agnóstico, eu senti sua alma partir naquele exato momento

Com a morte de Ayrton Senna confirmada, uma imagem ficou marcada na mente de seus fãs. Momentos antes do início do GP, o brasileiro foi flagrado olhando de maneira distante para sua Williams. Parecia até prever o que estava para acontecer….

*Especial para a Gazeta Esportiva



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