Presidente já recebeu inscrição na própria conta e cobra salário em evento - Gazeta Esportiva
André Sender e Bruno Ceccon
São Paulo (SP)
05/15/2015 00:05:39
 

Além de lidar com um racha entre as federações, e do sucateamento do Circuito Nacional, a Confederação Brasileira de Surfe (CBS) enfrenta outros problemas. O presidente Adalvo Argolo já utilizou a própria conta corrente para receber valores de inscrição de um campeonato da entidade. Em 2015, passou a cobrar salário para viajar a eventos da modalidade.

Ao mesmo tempo em que o Brasil vive momentos de euforia com a realização da etapa do Rio de Janeiro do Circuito Mundial (WCT), a Gazeta Esportiva publica a reportagem Tempestade no Deserto, retratando o amadorismo da gestão do surfe nacional e a dificuldade na revelação de novos talentos. Este é o quinto capítulo da série.

Conforme mostra comunicado oficial da entidade de 2012, Adalvo Argolo cobrou diretamente em sua conta bancária pessoal – e não na da CBS – o valor de inscrições da primeira etapa do Circuito Brasileiro master de surfe, realizado na praia de Stella Maris, em Salvador.

O documento, assinado pelo mandatário, avisa que para participar das categorias master, grand master, kahuna e grand kahuna, os competidores devem depositar R$ 100,00 em uma conta do banco HSBC no nome de Adalvo Argolo e enviar o comprovante a um endereço de e-mail da CBS.

Ouvido pela reportagem, o presidente afirma que esses depósitos diretos ocorreram porque na ocasião ele era, além de presidente da Confederação Brasileira, o promotor do campeonato, para quem geralmente é repassado o valor das inscrições.

“A entidade recebe as inscrições para ter uma garantia caso o promotor não pague o prêmio, a comissão técnica ou qualquer coisa. Como no caso eu era essa própria pessoa dupla, não vi problema algum em depositar na minha própria conta e não na da Confederação”, argumentou.

Em 2012, Adalvo Argolo cobrou inscrição na própria conta para etapa do Circuito master  (Foto: Reprodução)
Em 2012, Adalvo Argolo cobrou inscrição na própria conta (Foto: Reprodução)

A prestação de contas da CBS na gestão de Adalvo Argolo não vem agradando a todas as federações. Alguns presidentes reclamam da superficialidade dos relatórios e têm dificuldade para acompanhar a aplicação das verbas angariadas pela entidade, parte delas de origem governamental.

Em 2010, a CBS pleiteou junto ao Ministério do Esporte R$ 215 mil para promover o Circuito Brasileiro de surfe nas cidades de Navegantes e Salvador. O orçamento requerido pela entidade para realizar duas etapas com três dias cada levantou suspeitas de alguns filiados. Infundadas, segundo o mandatário.

“É desconhecimento. Se a Confederação recebe dinheiro para bancar equipe é uma coisa, mas isso é outro caso. Não entrou verba para a entidade, foi para um evento. Houve um plano de trabalho e se prestou conta para aquilo. Não é uma verba que a gente administrou. Ela entrou e saiu direto para aqueles eventos. Nessa situação, não tem que ficar lançando no balanço”, afirmou.

Além deste caso, há outro que tem gerado polêmica: a cobrança de um salário para que o presidente viaje para eventos. A Gazeta Esportiva teve acesso ao documento que estabelece as condições, direitos e deveres das partes envolvidas na realização de uma etapa do Circuito Brasileiro de surfe master e amador de 2015. Sem dinheiro para bancar a realização do campeonato, a CBS vende as etapas às filiadas, que buscam patrocinadores locais para custear o evento e aumentar suas fontes de renda.

No projeto executivo, uma tabela determina a formação da comissão técnica e seus respectivos custos para um evento de dois dias. O cargo de presidente da CBS, com um salário de R$ 750,00, está incluído ao lado de funções como árbitro, diretor de prova e locutor, entre outras.

“Vou em secretaria, ajudo o campeonato, estou lá para dar entrevista. Estou trabalhando também, acho justo que a entidade me pague. Por isso cobro o valor do maior salário do palanque, que é o do diretor de prova”, disse Argolo. “Não é que estou recebendo salário. A Confederação não tem dinheiro para me pagar, por isso cobro da outra entidade porque para ir lá estou largando minha casa, família e negócios para fazer a coisa acontecer da melhor maneira”, justificou.

Surfe brasileiro ainda vive à sombra de guerra política e gestão amadora de recursos e talentos (Foto: Sergio Barzaghi/Gazeta Press)
Surfe brasileiro ainda vive à sombra de guerra política e gestão amadora de recursos e talentos (Foto: Sergio Barzaghi/Gazeta Press)

O documento ainda determina que o presidente da CBS, não remunerado pela entidade nacional, deva receber passagem, ajuda de custo, hotel e jantar nas etapas do Circuito Brasileiro de surfe master e amador de 2015. Os mesmos direitos são estendidos ao diretor de prova, ao juiz e ao head da CBS.

“Você acha que não pego um táxi, alugo um carro, ajudo o evento? Lá tem a quentinha no palanque e o jantar em algum lugar do lado. Eu sinceramente não costumo jantar todo dia onde todo o mundo janta. Mesmo quando estou em casa, eventualmente saio e vou a um restaurante. É um direito meu”, discorreu o presidente.

Contudo, Argolo garante que, até hoje, nunca recebeu o repasse financeiro nos campeonatos. A primeira etapa do Circuito Brasileiro do ano foi promovida pela Associação Nordestina de Surfe (ANS), em Salvador, onde mora. Por isso, diz ter não cobrado a quantia. A segunda, em Salinópolis (PA), não contou com a presença do mandatário nacional no evento.

As explicações do presidente não satisfazem plenamente todas as federações, que sentem falta de outros diretores atuantes e zelosos na entidade. “Eu nunca vi uma prestação de contas ser apresentada pelo próprio presidente. Quem deve fazer isso é o conselho fiscal, mas na CBS não é assim. É o presidente julgando as contas dele mesmo. Não estou dizendo que a prestação está certa ou errada, mas acho que ela deve ser feita pelo conselho fiscal”, disse Abílio Fernandes, presidente da Federação de Surfe do Estado do Rio de Janeiro (Feserj), rompido com a CBS.



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