Amarga saudade - Gazeta Esportiva
Fernanda Silva
São Paulo
11/24/2018 09:00:05
 

Quando cruzar a linha de chegada no GP de Abu Dhabi, neste domingo, Fernando Alonso dará seu adeus à Fórmula 1. Aos 37 anos, o espanhol acumula 32 vitórias ao longo de suas 17 temporadas na categoria. Mas faz tempo que ele não estoura o champanhe.

Parece exagero dizer, mas é o que ele mesmo defende. A carreira de Alonso começou quando o espanhol tinha apenas três anos de idade. Seu pai, José Luis Alonso, apaixonado por karts foi quem fez o primeiro “carro” pilotado por ele. Na verdade, o veículo pertencia a sua irmã mais velha, Lorena, e teve que ter seus pedais adaptados – tudo isso para se adequar ao pequeno. Sua primeira vitória veio em 1988, aos sete anos, em um campeonato infantil. A última, nem faz tanto tempo assim, mas faz tempo o suficiente para virar saudade.

Corria o ano de 2013. Fernando Alonso, provavelmente, jamais imaginaria que aquela seria sua última vez no lugar mais alto do pódio. Bem, pelo menos, o feito foi bonito. Na ocasião, os espanhóis lotaram as arquibancadas do Circuito da Catalunha e viram uma exibição de gala do ídolo nacional.

Naquela época, ele já era bicampeão mundial e celebrava sua terceira vitória em casa. Ainda ousou quebrar o protocolo e deu uma volta na pista, segurando a bandeira do país, depois de vencer.

O cara sentava no cockpit e guiava como ninguém

Mas após isso – um tanto depois, vamos ser justos – ele se viu em um gráfico decadente. E quebrar protocolos, com Alonso, deixou de ser novidade.

Nunca foi, é verdade.

Desde de 2001, quando estreou na principal categoria do automobilismo pela modesta Minardi, ele colecionou altos e baixos. “Ele era absolutamente desconhecedor da parte técnica e desenvolvimento do carro, mas o cara sentava e guiava como ninguém”, destaca Lito Cavalcanti, jornalista especializado em esportes a motor.

No primeiro ano de Renault, em 2003, chegou mais longe que qualquer outro jovem piloto. Na Hungria, começou a escrever sua história de títulos. Lá, venceu pela primeira vez na categoria.

Seu arquirrival, na época, tinha nome e sobrenome. Ambos fortes. Michael Schumacher. Claro que, competir com um piloto já sete vezes campeão, em 2004, não era missão fácil. Mas Alonso a fez. Ele acabou com a festa do alemão.

O FIM DO REINADO

Um ponto. Apenas um ponto deu a Fernando Alonso o título de 2005. Foram sete vitórias e, até, duas provas sem concluir que o fizeram somar 133 pontos. O finlandês Kimi Raikkonen foi o número dois daquele ano, acumulando 112. Na Ferrari, Schumacher fez 62 pontos. Sem grandes ameaças. “Esse é um título que, hoje, seria difícil do espanhol conseguir, porque, na época, cada escuderia tinha um fornecedor de pneu. Ele teve uma igualdade com seu principal adversário e, por isso, teve oportunidade de competir”, analisa Lito. “A luta era entre um e outro”.

“Alonso teve muito mérito, claro que teve”, destaca o jornalista. “O carro dele não superior ao do Schumacher e a Ferrari já era uma equipe fortíssima. Mas sempre é difícil separar o trabalho do piloto da qualidade do carro”.

Mas o alemão não ia entregar sua coroa assim. No ano seguinte, lutou duro para desbancar o espanhol em ascensão. Mas não deu. O piloto da Renault voltou a mostrar seu melhor desempenho nas pistas e, novamente, subiu no lugar mais alto do pódio.

Aí, em 2007, foi parar na McLaren. Lá, o desafio era ainda maior. Isso porque, começaram os passos errados. Na nova escuderia, travava uma guerra pessoal com um dos seus desafetos, Lewis Hamilton. O britânico era um jovem talento que o espanhol não deixava de alfinetar. “Ele gosta de copiar os ajustes que eu fazia no meu carro”, dizia Fernando, na época. O climão era recorrente, na pista e fora dela.

Hoje, Fernando Alonso vê Hamilton entre os maiores pilotos da história (Foto: Clive Mason/Getty Images/AFP)

Não havia nada em contrato que colocava Alonso como primeiro piloto. “Mas era lógico ele esperava isso, porque ele era um bicampeão e o outro era um estreante”, explica Lito. “Mas ele não encontrou essa realidade. Ele se deparou com um menino absolutamente disposto e capaz de enfrentá-lo e começou a ter seus extremessimentos com a equipe”.

A CADA ANO, UMA POLÊMICA

Um dos pontos altos da tensão entre os pilotos da McLaren foi no GP da Hungria. Lá, o espanhol ficou parado por mais tempo no pit-lane antes de voltar à pista para fazer sua última tentativa de volta rápida. Isso atrasou seu companheiro de equipe. “A McLaren estava dando igualdade aos dois pilotos. Isso, para Alonso, era um problema”, destaca Lito.

O embate entre Fernando e a escuderia, ainda, deu de cara com outra polêmica: o Spygate.

Quando a bomba estourou, em 2007, a escuderia era líder do campeonato. E quem tinha a faísca era Alonso. A equipe, com 57 anos de história, foi acusada de trapacear, usando dados obtidos da Ferrari, sua principal rival, para melhorar seu próprio carro. A FIA pediu que os pilotos da equipe McLaren colaborassem com as investigações. “Fernando tentou chantagear a escuderia. Ele ameaçou a equipe de divulgar que ela tinha acesso a páginas e mais páginas de detalhes técnicos dos adversários”, explica Lito.

Fernando tentou chantagear a escuderia. Ele ameaçou a equipe de divulgar que ela tinha acesso a páginas e mais páginas de detalhes técnicos dos adversários

No final, os pilotos da escuderia não ficaram tão mal. Um ponto, outra vez, foi a diferença. Só que, agora, Alonso estava atrás. O ano foi, por fim, dominado por Kimi Raikkonen, com 110 pontos. Atrás dele vinha Hamilton e Alonso, ambos com 109. A McLaren, que estava na ponta do Mundial de Construtores antes da polêmica, perdeu os 181 pontos conquistados e terminou zerada.

“Isso abalou o relacionamento dele com a equipe. O time deixou de embolsar muito dinheiro, teve que pagar multa, entre outras coisas”, destaca Lito. “Foram tantas repetições de atitudes egocêntricas que, com o tempo, ele acabou perdendo o lugar. As coisas pegaram muito mal”.

Com o tempo, o desempenho de Alonso não era mais o mesmo. Além disso, surgia uma nova e forte geração. Em 2008, quando retornou a Renault, ele teve duas vitórias. Uma delas, impulsionado por Nelson Piquet. Outro climão. Isso porque, em Cingapura, o brasileiro foi obrigada a bater seu carro, de propósito, para que Fernando pudesse vencer a prova. A ação foi orquestrada pela Renault e, até hoje, é negada pelo espanhol.

No ano seguinte, algo semelhante aconteceu. Personagens parecidos: Alonso, um brasileiro (dessa vez, Felipe Massa) e um representante de sua então escuderia (agora, o engenheiro Rob Smedley, da Ferrari). No GP da Alemanha, Massa cedeu a liderança para Alonso. O bicampeão terminou o ano em nono. “Chegou uma época em que o apelido dele era Fernando Teflonso, porque nada pegava nele. Ele fazia e acontecia, mas nada sujava pra ele”, destaca Lito.

Recuperou-se, fez três vices (em 2010, 2012 e 2013), mas deu seus últimos suspiros como ameaça aos primeiros colocados. Em 2014, caiu para sexto ainda na escuderia vermelha. “O benefício que ele fazia para a equipe, não chegava a ser superior ao problemas que ele trazia, e isso foi ficando claro em um momento em que ele já tinha concorrência”, relembra o especialista.

Foi em 2015, de volta à McLaren, onde ele protagonizou uma cena incomum, que virou meme e repercutiu nas redes sociais. Era a preparação pro GP do Brasil. Em Interlagos, na Capital Paulista, Alonso pareceu “de boa”, até demais. Mas estava longe disso.

Fernando Alonso protagonizou cena inusitada no GP do Brasil em 2015 (Foto: Reprodução/Twitter)

Depois de abandonar o segundo treino livre do GP do Brasil, na sexta-feira, o piloto da McLaren-Honda também deixou o Q1 por problemas no carro. Só que na segunda vez, ao invés de ficar cabisbaixo, resolveu relaxar e fez um roteiro inusitado: sentou no gramado lateral da pista para assistir o treino e “pegar um bronze”. Depois, ao lado de Jensen Button, ainda propôs outra graça. Subiu no alto do pódio e comemorou, como se tivesse vencido a prova. Mas, a diversão era, no fundo, frustração. Isso porque ele sofria com quebra do motor, que, por muitas vezes, o deixou na mão.

Depois disso, foram mais três anos longe do pódio ou de resultados esperados para um bicampeão mundial. Em 2016, ele foi décimo colocado. No ano seguinte, amargou a 15ª colocação. Neste ano, sonhava em se despedir da Fórmula 1 com chave de ouro, mas, novamente, não deu. E terminou no décimo posto.


Em agosto, ele usou suas redes sociais para confirmar que deixará de correr na Fórmula 1. Este domingo, dia 25, é sua despedida da categoria, quando cruzar a linha do GP de Abu Dhabi.

ACABOU, BOA SORTE?

O interesse em outras categorias nunca foi segredo. Neste ano, em uma não tão boa temporada na McLaren, Fernando Alonso surpreendeu ao anunciar que não estaria no GP de Mônaco, o mais glamouroso da F1. “Ele mandava e desmandava. Ele fazia o que queria, como antes dele foi o Schumacher”, explica Lito. Com a benção da escuderia, na data em que correria o Grande Prêmio europeu, foi disputar as 500 Milhas de Indianápolis. “Isso foi inédito na Fórmula 1”.

É justamente lá onde ele será encontrado em 2019. No restante da temporada, ocupará um espaço no Campeonato Mundial de Endurance, mas ele sugeriu que “muito mais corridas” poderiam ser adicionadas.

E pode vir saudade da Fórmula 1. “Tenho 37 anos e corri aqui 18 anos. Neste momento, é difícil pensar em voltar”, disse Alonso. “Mas a porta não está fechada. A primeira razão é porque não sei como me sentirei no próximo ano. Talvez, em abril ou maio, eu esteja desesperado no sofá, então talvez eu encontre uma maneira de voltar. Mas não é a ideia inicial”.