Torcedor-modelo - Gazeta Esportiva
Helder Júnior
São Paulo (SP)
12/23/2016 07:45:26
 

Thiago Volpato está acostumado a despertar nas pessoas a sensação de familiaridade. Com cabelos loiros raspados, olhos azuis, barba por fazer, manequim 40 (segundo o site da agência de modelos Allure), estatura mediana para um ex-jogador de vôlei (1,85m) e 32 anos, esse palmeirense é reconhecido com alguma dificuldade nas mais diversas situações.

“Você não é aquele cara que…?”, perguntou o funcionário que orienta o trânsito de veículos diante do colégio onde o filho de Thiago estuda. “É, sim! Comprei umas camisetas lá”, o próprio sujeito respondeu. Jogando futebol, alguns estranham ao ver o adversário trajado de palmeirense. “Ei, você não é o cara que veste a camisa do São Paulo na loja virtual?”, questionou um colega de pelada.

Thiago Volpato é o cara que veste a camisa do São Paulo, a do Palmeiras, a do Corinthians, a do Santos e qualquer outra que lhe pedirem para divulgar nas lojas virtuais de alguns dos principais clubes do Brasil. Quem utiliza o e-commerce para reforçar o armário com um traje do seu clube do coração muito provavelmente já analisou uma imagem do produto no corpo do modelo antes de concluir a compra.

Thiago ama o Palmeiras, mas não se importa em usar adereços de rivais (foto: Sergio Barzaghi/Gazeta Press)
Thiago ama o Palmeiras, mas não se importa em usar adereços de rivais (foto: Sergio Barzaghi/Gazeta Press)

“Já vesti camisas de praticamente todos os times”, sorriu Thiago, que visitou a redação da Gazeta Esportiva para falar sobre esses trabalhos como modelo. “Não tem muita crise. Estou ganhando para isso. Coloco o que vier – Corinthians, Palmeiras, São Paulo, Santos… Rivalidade é bonita dentro de campo. Quando o jogo acaba, esquece. O brasileiro tinha que parar com essas coisas. Há muita violência no futebol”, acrescentou.

Nem sempre Thiago se sentiu tão confortável com uniformes de times rivais. Natural de Maringá (PR), ele carrega o fanatismo pelo Palmeiras como uma herança de família. “Na final do Campeonato Brasileiro de 1993, contra o Vitória, o meu pai ficou louco. Quando a partida terminou, cortou a cabeça de um porco que tinha assado para o pessoal comer e vestiu, como se fosse uma máscara. Aquela gordura toda descia sobre ele! Depois, saiu pelas ruas da nossa cidade com uma Brasília marrom, colocou a cabeça do porco no para-brisa e quase fundiu o motor de tanto acelerar!”, recordou, divertindo-se, o modelo que hoje é sócio-torcedor do programa Avanti e frequentador assíduo do Palestra Itália. “Foi naquela época, com o meu pai, que também me apaixonei pelo Palmeiras.”

Já pensando com a sua própria cabeça de porco, Thiago deu um passo atrás ao fazer o primeiro trabalho para a empresa que controla as lojas virtuais dos grandes clubes de São Paulo, há cerca de quatro anos. Um produtor lhe entregou logo uma camisa do Corinthians. “Pode vestir”, pediu. O modelo olhou para o uniforme, titubeando, e deu início a um diálogo com perguntas e respostas repetitivas.

Em seu primeiro trabalho, Thiago relutou em vestir a camisa do Corinthians (foto: Sergio Barzaghi/Gazeta Press)
Em primeiro trabalho, o modelo relutou em colocar a camisa do Corinthians (foto: Sergio Barzaghi/Gazeta Press)

“É sério?”, indagou Thiago.

“É sério”, retrucou o produtor.

“Mesmo?”, insistiu.

“Mesmo.”

“Mas a do Corinthians?”,

“A do Corinthians.”

Thiago vestiu a camisa do Corinthians. “A partir de então, eu me acostumei. Não tem nada de mais. O problema é depois, com os outros”, observou o palmeirense, alvo rotineiro de piadas nos grupos de WhatsApp que mantém com amigos e familiares. “As minhas imagens com camisas de outros times vão rodando entre eles. Aparece um cara e manda: ‘Virou santista?’. Dois dias depois, a mesma foto chega por meio de outra pessoa. E a galera fica tirando sarro, comentando, postando nas redes sociais, marcando o meu nome quando apareço no Instagram dos clubes”, contou.

O modelo sofre com as brincadeiras até mesmo quando está no estúdio, a trabalho. Thiago reclamava com um fotógrafo (corintiano) que jamais havia tido a oportunidade de posar profissionalmente com adereços do seu clube de coração. Do Corinthians, já usara camisetas, bonés gorros… “E nada do Palmeiras!”, exclamou o palmeirense, que teve o desejo finalmente satisfeito no ano passado. “No dia, até beijei a camisa.”

Ao rememorar o beijo na camisa, Thiago se lembrou imediatamente dos jogadores de futebol, muitos deles receosos com esse gesto quando apresentados nos clubes pelos quais torciam na infância. “É isso: eu devo me comportar como um jogador. Estou ali a trabalho, né? Quantos corintianos não jogam no Palmeiras e vice-versa?”, comentou o torcedor, desconfiado de que o meio-campista Tchê Tchê seja um exemplo de intruso no elenco palmeirense.

Thiago Volpatto sorri com mais naturalidade quando está trajado de palmeirense (foto: Sergio Barzaghi/Gazeta Press)
Thiago Volpato sorri com mais naturalidade quando está trajado de palmeirense (foto: Sergio Barzaghi/Gazeta Press)

Assim como alguns torcedores mais radicais não aceitam o discurso do profissionalismo, contudo, Thiago Volpato sabe que também está sujeito a críticas pelo seu trabalho no comércio virtual. Um amigo se irritou ao vê-lo com vestes de são-paulino às vésperas de o Palmeiras ser campeão brasileiro neste ano. “P…, mano? O que é isso? O que vou falar para os caras?”, cobrou. “Relaxa, cara, que o São Paulo paga bem”, brincou o modelo.

“Talvez o meu caso até sirva de exemplo para alguma coisa, sim. Se souberem que sou palmeirense e visto a camisa do Corinthians sem qualquer tipo de problema, as pessoas poderão falar: ‘Pô, não tem nada a ver, né?’. Mas o exemplo tem que vir lá de baixo, com educação”, palpitou Thiago, outra vez com a violência provocada pela rivalidade em mente.

Recentemente, as torcidas organizadas dos grandes clubes de São Paulo tentaram servir de modelo de pacificação em um encontro, diante do Pacaembu, para homenagear as vítimas da tragédia com o avião que levava a Chapecoense a Medellín, na Colômbia, onde seria disputado o primeiro jogo da final da Copa Sul-Americana. “A gente não sabe se acredita que as torcidas tenham feito aquilo de coração mesmo ou se foi só um marketing em cima da situação. Porque, no primeiro clássico do ano que vem, eles podem se arrebentar no metrô. Você viu aquele torcedor do Fluminense que quase bateu no do Internacional, na última rodada do Brasileiro? Os caras são uns animais”, lamentou Thiago. “Mas o encontro foi bonito, né? Dentro das organizadas, também existe quem queira levar as coisas a sério”, ponderou.

Desafiado pela Gazeta Esportiva, Thiago fez careta para o São Paulo e contestou um Mundial corintiano (fotos: divulgação e Sergio Barzaghi/Gazeta Press)
Desafiado pela Gazeta Esportiva, Thiago fez careta para o São Paulo e contestou um Mundial corintiano (fotos: divulgação e Sergio Barzaghi/Gazeta Press)

Para testar se o próprio torcedor-modelo também não estava fazendo marketing pessoal ao pregar contra a violência, a Gazeta Esportiva o desafiou para mais uma sessão de fotografias após a realização desta entrevista. E Thiago passou no teste. Vestiu a faixa do título brasileiro conquistado pelo Palmeiras por cima de uma camisa do São Paulo e exibiu, sorridente, uma bandeira do Corinthians ao mesmo tempo.

Como um bom modelo e palmeirense, ele ainda fez caras e bocas ao trocar os adereços do trio de ferro paulistano. Substituiu a risada por uma careta quando estava só com a camisa do São Paulo e não se conteve ao receber o uniforme do Corinthians com o selo que faz referência ao título mundial de 2012. “Bicampeão com uma Libertadores?”, provocou. A realização pessoal veio mesmo ao trajar o verde que ama. “Agora, sim! É campeão!”, bradou, brandindo os braços na direção da câmera fotográfica.

Thiago fez tudo com naturalidade, sem encenar. “Já pensei em ser ator e tentei fazer curso de TV, mas não era para mim. Precisa ter o dom”, afirmou o palmeirense, que descobriu o talento para a moda quando ainda estava em Maringá, jogando vôlei profissionalmente pela equipe local, como levantador, e estudando para o vestibular de Odontologia.

Pedro, o filho de Thiago, foi doutrinado a ser palmeirense - não pôde vestir uma camisa do Santos (fotos: acervo pessoal)
Pedro, o filho de Thiago, foi doutrinado a ser palmeirense – não pôde vestir uma camisa do Santos (fotos: acervo pessoal)

Ao receber um cheque de R$ 1.200 para posar para uma simples fotografia, há 12 anos, Thiago decidiu largar os estudos e o time de voleibol de Maringá e mudou-se para São Paulo para investir na nova carreira. Não muito tempo depois, passou a posar e a desfilar também em Milão, Nova Iorque, Paris, Barcelona, Hamburgo e Tóquio, entre outros polos da moda. Hoje, formado em Negócios da Moda pela Universidade Anhembi Morumbi, ainda administra com a mulher, a estilista Lila Colzani, a sua própria marca infantil, a Pistol Star.

Um dos modelos que estrelam a loja virtual de Thiago é o seu filho, Pedro, de 9 anos, que orgulhou o pai ao figurar também em uma campanha mundial da Calvin Klein Kids. Assim como a mãe, que começou a torcer pelo Palmeiras por pressão do marido, o garoto só não goza da mesma liberdade do pai para vestir camisas de outros clubes.

“Quando ele tinha uns 3 ou 4 anos, só falava no Neymar, que estava estourando no Santos e na Seleção Brasileira. Até que, em um aniversário dele, um amigo gastou uma grana e deu uma camisa do Santos de presente. A minha mulher queria que eu deixasse usar, que ele esqueceria depois. Esquece nada! Esperei ele dormir, peguei a camisa e joguei no alto de um guarda-roupa, bem no fundo. Depois, falei que tinha perdido”, gargalhou Thiago, deixando um pouco de lado o status de torcedor-modelo, já no final da sua visita à Gazeta Esportiva. “A camisa está lá até hoje – original, zerada, número 11, linda. Um dia, vou queimá-la!”, emendou o palmeirense, mesmo habituado a se fantasiar de santista.