Querido no Shakhtar, “Lionel” Marlos rejeita apelido e aconselha Ganso - Gazeta Esportiva
Ana Carolina da Silva*
São Paulo - SP
08/03/2015 09:00:41
 

Na última temporada, Bernard foi tratado como “talismã” de Luiz Felipe Scolari na fracassada campanha da Seleção Brasileira na Copa do Mundo. Enquanto isso, Marlos obteve números superiores aos do seu colega de Shakhtar Donetsk. Na Ucrânia desde 2011, quando deixou o São Paulo por R$ 9,2 milhões para assinar com o Metalist, o meia teve um desempenho satisfatório no último ano, o segundo melhor dentre os nove brasileiros do elenco: foram 35 jogos somando Campeonato Ucraniano, Copa da Ucrânia, Supercopa da Ucrânia e Liga dos Campeões da Europa, com cinco gols marcados.

Simultaneamente, Bernard anotou dois tentos pelo Shakhtar somente na disputa da Copa da Ucrânia. A comparação fica ainda mais expressiva se levado em conta o valor da transferência: o garoto de 22 anos foi negociado pelo Atlético-MG por R$ 77 milhões em 2013 logo após a conquista da Copa Libertadores.

Outro brasileiro com números inferiores aos de Marlos é o ex-Fluminense Wellington Nem. Em 13 jogos na última temporada, o atacante marcou somente quatro gols. Ex-colorado, Taison também não atuou à altura do colega revelado pelo Coritiba, balançando as redes apenas quatro vezes em 2014/2015. Especulado no Corinthians no início da atual janela de transferências, Dentinho não passou de dois gols no ano. Por fim, com características mais defensivas, o volante Fred foi o autor de um único gol na temporada que se encerrou.

Desta maneira, o único que se saiu melhor do que Marlos no último ano foi o meia Alex Teixeira, que balançou as redes 22 vezes em 36 partidas. Coincidentemente, assim como o ex-são paulino, Teixeira não teve chances na Seleção Brasileira de Felipão ou Dunga. Como consequência desse retrospecto positivo, Marlos foi eleito pela torcida do Shakhtar como o melhor jogador da equipe em março e junho de 2015. Tudo isso em meio à readaptação forçada na Ucrânia, uma vez que o clube teve que “se mudar” para Kiev em virtude dos conflitos bélicos em Donetsk.

Em entrevista exclusiva à Gazeta Esportiva.net, o meia disse não se importar com o apelido de “Lionel” recebido em sua passagem pelo São Paulo. Além disso, comentou as polêmicas em que se envolveu indiretamente (como o áudio no qual o lateral Rafinha, do Bayern de Munique, revela supostas críticas do amigo à “molecada nojenta” do Shakhtar), apontou o Palmeiras como um dos favoritos ao título do Campeonato Brasileiro – para o qual não pretende voltar tão cedo – e aconselhou o são-paulino Paulo Henrique Ganso, que vive uma relação de altos e baixos com a torcida tricolor.

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Acostumado com a Ucrânia, Marlos não pensa em trocar o frio local pelo enfraquecido Brasileirão (Foto: Fernando Dantas/Gazeta Press)

Gazeta Esportiva.net: Em que pontos você mudou desde que se despediu do Brasil?

Marlos: Defensivamente a gente aprende e evolui muito jogando aqui. O estilo europeu é diferente, no Brasil se privilegia muito o ataque. Aqui o jogo é mais coletivo, exige uma consciência tática e de marcação maior. Acho que melhorei as minhas qualidades defensivas.

GE.net: Na época em que o Neymar começou a estourar no Santos, em 2010, a torcida do São Paulo respondeu inventando o apelido de “Lionel Marlos”. Você gostava desse apelido ou ele criava uma pressão desnecessária sobre o seu futebol?

Marlos: Para ser sincero, eu nem ligava. Não acompanhava muito a torcida na época, não era muito ligado em TV e jornais. Então isso acabou nem chegando até mim.

GE.net: E você tem um apelido novo por aí?

Marlos: Mesmo se os torcedores tivessem me dado um apelido, a gente não entende totalmente a língua deles, aí fica difícil. Mas entre os jogadores existem os apelidos íntimos de vestiário, coisa do futebol.

GE.net: Continua acompanhando o São Paulo?

Marlos: O São Paulo é um clube que eu aprendi a gostar bastante, sempre acompanho. Aqui a gente não tem muito o que fazer no tempo livre, então acaba acompanhando os jogos sempre que possível.

Se eu fosse o Ganso, daria atenção ao momento em que ele vive e às necessidades da família. Sentar com os representantes dele e conversar. Cada jogador sabe o que é melhor para si mesmo e para a família.

GE.net: Acha que o Tricolor tem força para vencer o Campeonato Brasileiro ou a irregularidade do time afasta o sonho do Hepta?

Marlos: O futebol brasileiro está complicado. Quando surge um bom jogador, ele é negociado para o mercado chinês, para o mundo árabe… Fica complicado, o nível acaba caindo um pouco. Mas o São Paulo tem um grande elenco, muito competitivo. Na minha opinião, o Palmeiras também está forte. Vai ser uma briga boa.

GE.net: Você foi negociado antes da chegada do Ganso. De um meia para o outro, que conselho daria ao camisa 10 do São Paulo hoje?

Marlos: Apesar da idade, o Ganso é um jogador muito experiente. Se eu fosse ele, daria atenção ao momento em que ele vive e às necessidades da família. Sentar com os representantes dele e conversar. Cada jogador sabe o que é melhor para si mesmo e para a família.

GE.net: Acha que o Ganso teria espaço ao lado de vocês, ou um jogador de mais cadencia como ele não se daria tão bem em um time veloz como o Shakhtar?

Marlos: A adaptação aqui é difícil. Recentemente, nós tivemos o Alan Patrick, que tem um estilo parecido com o do Ganso. Ele não se adaptou muito bem, porque o futebol do Shakhtar é de muita velocidade, rapidez e marcação. Talvez seja mais complicado para jogadores com o perfil do Ganso.

GE.net: Voltaria para o Brasil nesse momento da sua carreira?

Marlos: Nesse momento, não. Creio que estou bem adaptado aqui no Shakhtar e no ritmo da Ucrânia. É lógico que a gente sente saudade do Brasil, mas hoje já estou com a minha família aqui, aí fica mais fácil lidar com isso.

GE.net: Você se adaptou ao frio ucraniano com facilidade?

Marlos: No primeiro ano é bem difícil, demorei um pouco para me adaptar ao estilo de vida. Mas hoje a minha família já está toda comigo, o meu filho está se adaptando bem à escola e até aprendendo o idioma.

GE.net: Nos tempos de São Paulo, você não escondia que gostava muito de comida japonesa. Teve que mudar o cardápio por aí?

Marlos: O cardápio local daqui é bem diferente, mas existem restaurantes de culinária oriental como em toda grande cidade. Assim fica mais fácil, dá para curtir os meus pratos preferidos de vez em quando, durante as folgas.

GE.net: Na mesma época, você batizou o seu cachorro como Lionel Messi. Já adotou um com o nome do Cristiano Ronaldo também, ou acha que fica muita rivalidade em casa?

Marlos: Não (risos). Sou um grande fã do Messi, é um jogador no qual eu me espelho muito, e o meu cachorro Lionel é habilidoso como ele. O Cristiano Ronaldo é um grande jogador, mas não tenho carinho suficiente por ele para colocar o nome em um animal de estimação como fiz com o Messi.

Promessa do Coritiba, "Lionel" Marlos chegou ao São Paulo em 2009 ( Foto: Fernando Pilatos/Gazeta Press)
Promessa do Coritiba, “Lionel” Marlos chegou ao São Paulo em 2009 (Foto: Fernando Pilatos/Gazeta Press)

GE.net: Os brasileiros do Shakhtar ainda tem o hábito de reunir as famílias para fazer um churrasco ou uma feijoada?

Marlos: Aqui perto de casa tem uma churrascaria brasileira onde a gente tenta se reunir de vez em quando. Mas depois de tanto tempo, os brasileiros do Shakhtar já trouxeram a família para cá, até os pais. Então essa solidão inicial já foi resolvida.

GE.net: Com qual deles você se dá melhor no dia a dia no clube?

Marlos: O Ilsinho, que saiu recentemente, é um grande amigo meu desde os tempos de São Paulo. Quando eu estava no Metalist, o Márcio Azevedo era o meu parceiro. Jogamos juntos na época do Coritiba também.

GE.net: Em março, circulou no Whatsapp um áudio do Rafinha, do Bayern. Ele citou umas supostas declarações suas sobre uma “guerra de egos” no ambiente do Shakhtar, com disputas para ver quem tem o relógio mais caro. Isso principalmente entre os jogadores que surgiram nos times gaúchos, como se fossem um grupo separado dos outros brasileiros…

Marlos: Não, eu não sei como começou esse tipo de conversa. Acredito que foi uma pessoa maldosa do grupo do Whatsapp do Rafinha que acabou criando essa situação. Nós sempre nos demos bem por aqui, esse tipo de coisa nunca existiu.

Talvez o Dunga não esteja conseguindo acompanhar o Shakhtar quando eu estou bem, mas faz parte. Todos os jogadores que estão lá fizeram por merecer.

GE.net: Então o ambiente do time não tem nada disso?

Marlos: Não tem nada de anormal por aqui. Agora tem um pouco menos de brasileiros porque o Shakhtar fez alguns acordos com outros clubes (como a venda de Luiz Adriano para o Milan e de Douglas Costa para o Bayern de Munique), mas nós sempre tivemos muitos jogadores do Brasil aqui. Se aqueles comentários fossem verdadeiros, o clube não teria sempre tantos brasileiros no elenco.

GE.net: Qual é a sua relação com a comissão técnica do Shakhtar?

Marlos: O treinador é bacana, fala muito bem o nosso idioma e gosta muito dos jogadores brasileiros. Assim fica mais fácil para entender o que ele quer nos passar. A relação com toda a comissão técnica é muito boa.

GE.net: E com a torcida nas ruas?

Marlos: São torcedores fanáticos, sem dúvida. Atualmente temos um pouco de dificuldade porque estamos em uma cidade diferente (Kiev), mas o Shakhtar também tem muita torcida por aqui. Estão mais espalhados do que em Donetsk, mas continuam sendo muitos. Como já estou aqui há bastante tempo, consigo me virar aqui e ali e conversar, falo um pouco de russo.

Atleta do São Paulo por quase três anos, Marlos teve bom relacionamento com os colegas de clube (Foto: Djalma Vassão/Gazeta Press)
Atleta do São Paulo por quase três anos, Marlos teve bom relacionamento com os colegas de clube (Foto: Djalma Vassão/Gazeta Press)

GE.net: Na última temporada, você teve números melhores do que a maioria dos brasileiros do Shakhtar. Quando chegou na Ucrânia, você tinha a expectativa de se dar tão bem por aí?

Marlos: Graças a Deus, eu sempre tive facilidade para me adaptar quando chego a um time novo. Foi assim no Coritiba e no próprio São Paulo, que muitos diziam que eu não iria me adaptar bem por ser um clube grande. Houve alguma preocupação também quando vim para a Ucrânia, mas consegui me adaptar bem e espero continuar assim.

GE.net: Acha que esse desempenho te credencia para uma vaga na seleção, como o Bernard conseguiu a convocação pra Copa do Mundo?

Marlos: Essa é uma questão difícil de comentar. Como todo treinador de futebol, o Dunga tem seus gostos e preferências, é natural. Talvez ele também não esteja conseguindo acompanhar o Shakhtar quando eu estou bem, mas faz parte. Todos os jogadores que estão lá fizeram por merecer, têm muito mérito nisso. Respeito as escolhas do Dunga. Se ainda não recebi oportunidade, preciso evoluir ainda mais.

GE.net: Você pretende continuar no Shakhtar, ou tem planos de disputar outras ligas da Europa?

Marlos: Hoje estou muito feliz aqui, tenho um contrato longo. São quatro anos. A minha ideia é cumprir esse vínculo e aí ver o que acontece. Mas por enquanto, estou muito satisfeito aqui.

GE.net: Mas você cogitou deixar o clube no fim do ano passado, quando os conflitos na Ucrânia ficaram mais violentos?

Marlos: Desde a época em que jogava no Metalist, eu já sabia o que estava acontecendo em Donetsk. Sabia que era uma região específica, por isso não me preocupei. É claro que as notícias podem assustar, mas nós já estávamos preparados e ambientados na Ucrânia.

GE.net: Você foi eleito como o melhor jogador do Shakhtar em março e junho desse ano. Qual é a sensação de ser querido por uma torcida mesmo tão longe do seu país?

Marlos: É muito legal, sem dúvida. Aqui no Shakhtar existe uma disputa muito grande em termos de qualidade técnica, então não é fácil ser eleito pela torcida dessa forma. É uma conquista individual que me deixa muito feliz. Vou continuar trabalhando forte para ser eleito mais vezes.

Além das eleições de melhor jogador, Marlos tem se acostumado com o carinho provisório das ruas de Kiev (Foto: Divulgação/Shakhtar)
Além das eleições de melhor jogador, Marlos tem se acostumado com o carinho provisório das ruas de Kiev (Foto: Divulgação/Shakhtar)

*Especial para a Gazeta Esportiva.net