Profecias e conquista das massas: cinco anos de Hernanes longe do Tricolor - Gazeta Esportiva
Ana Carolina da Silva*
São Paulo, SP
08/05/2015 09:00:33
 

“Conquiste a massa e nenhum imperador terá poder contra você”. Foi essa a frase de cinema que Hernanes usou para explicar à Gazeta Esportiva.net como se tornou ídolo de todas as torcidas com as quais teve contato na carreira. Dentre elas, está a do São Paulo Futebol Clube, que se despediu do “Profeta” há exatos cinco anos, no dia 5 de agosto de 2010.

A despedida não ocorreu em uma data qualquer. Naquela noite, o Tricolor venceu o Internacional por 2 a 1, no Morumbi, pelo jogo de volta da semifinal da Copa Libertadores. Mas, apesar da vitória, o abraço de Hernanes no capitão Rogério Ceni não veio acompanhado de socos no ar e sorrisos: derrotado no primeiro jogo por 1 a 0 no Beira-Rio, o time de Ricardo Gomes foi eliminado no último jogo do então camisa 10.

Dezoito dias depois da queda na Libertadores, o polivalente meio-campista pisou no gramado do estádio Olímpico de Roma em sua apresentação oficial como novo reforço da italiana Lazio. Embora possa se orgulhar por ter “conquistado as massas” nos gramados brasileiros e italianos, Hernanes e outros 22 jogadores carregarão uma marca na carreira. Sete, na verdade.

“Eu não dormi. Fiquei acordado até pelo menos 5 horas da manhã”, lembra o brasileiro, que estava no banco de reservas do Mineirão quando o Brasil perdeu por 7 a 1 para a Alemanha na semifinal da Copa do Mundo de 2014. Questionado sobre o que falta para a Seleção e o São Paulo reencontrarem o respeito que costumavam impor aos seus adversários, Hernanes evitou análises simplistas, como já lhe é de costume. Pelo menos, o “Profeta” diz ter ouvido boas referências do colombiano Juan Carlos Osorio, para o qual deixou uma de suas “profecias”.

Aos 30 anos, Hernanes não pretende antecipar o fim de seu contrato com a Internazionale de Milão, que se estende até junho de 2018. Coincidentemente ou não, o vínculo atual se encerra no mesmo mês em que a Seleção Brasileira fará uma nova tentativa pelo Hexa, na Rússia. Com o plano traçado na ponta da caneta, que o ambidestro pode segurar com as duas mãos, o pernambucano-italiano garante: não pretende voltar ao Brasil tão cedo. Nem mesmo a iminente aposentadoria de Rogério Ceni e a carência de um ídolo por parte dos são-paulinos parecem ter capacidade de mudar sua decisão.

Feliz e realizado na Itália, Hernanes não planeja um retorno ao Brasil tão cedo (Foto: Sergio Barzaghi/Gazeta Press)
Feliz e realizado na Itália, Hernanes não planeja um retorno ao Brasil tão cedo (Foto: Sergio Barzaghi/Gazeta Press)

Gazeta Esportiva.net: Em que pontos você mudou desde que se despediu do Morumbi no dia 5 de agosto de 2010?

Hernanes: Acredito que hoje estou mais forte, mais preparado, mais consciente do papel que eu tenho que desempenhar em campo. O futebol italiano é muito tático, de muita pegada, e nesses aspectos também me desenvolvi bastante. Eu saí do São Paulo com 25 anos e hoje tenho 30, o que considero a idade ideal para um atleta atingir o seu auge. Hoje eu me sinto em meu melhor momento nos aspectos físico, tático, técnico e mental. Na minha carreira, já desempenhei diversas funções, já fui lateral, atacante, volante, meia-ofensivo… Tudo isso ajudou para o meu crescimento e hoje eu me sinto preparado para jogar o meu melhor futebol.

GE.net: Nos seus últimos meses no clube, havia um debate intenso sobre a posição em que você deveria jogar. Você se dizia volante, mas hoje, na Inter, atua principalmente como meia-ofensivo. Cinco anos depois, consegue dizer se prefere ser volante ou meia?

Hernanes: Terminei a última temporada pela Inter e comecei essa pré-temporada atuando como um meia-ofensivo, na parte central do campo, e me sinto muito bem nessa função. Hoje essa é a maneira que eu prefiro jogar. Tive ótimos momentos como volante e também me sinto preparado para jogar assim, mas hoje eu creio que posso explorar mais as minhas melhores características quando jogo mais avançado.

GE.net: Você sempre foi um jogador capaz de comentar assuntos além do futebol. O que acha das disputas políticas que marcaram o São Paulo no último ano?

Hernanes: É difícil opinar sem viver o ambiente do clube. Prefiro não comentar sobre isso.

GE.net: O técnico Juan Carlos Osorio tem um perfil estudioso e costuma soltar frases de efeito como você sempre fez. Acha que se dariam bem juntos no São Paulo?

Hernanes: Não conheço o trabalho do Osorio, mas tudo o que ouvi sobre ele foi muito positivo e o conheci rapidamente quando visitei o CT do São Paulo, nas férias, em junho. Espero que ele faça um grande trabalho no São Paulo. Hoje sou jogador da Inter e ainda tenho muito o que conquistar aqui na Europa. Não penso em retornar ao Brasil nesse momento.

GE.net: Recentemente, ele usou até chinelos para montar um esquema tático no vestiário… Acha que o elenco vai se adaptar bem a essas inovações?

Hernanes: É complicado comentar sem ter acompanhado, sem fazer parte do grupo. Só quem está vivendo o ambiente da equipe pode responder isso.

Com a camisa da Lazio, mais uma dose de idolatria e o título da Copa da Itália (Foto: Filippo Monteforte/AFP)
Com a camisa da Lazio, mais uma dose de idolatria e o título da Copa da Itália (Foto: Filippo Monteforte/AFP)

GE.net: Que conselho o “Profeta” daria ao “Profe” Osorio?

Hernanes: Ele é um grande técnico e a melhor profecia é dizer que ele siga em busca de suas próprias convicções. Tenho certeza de que ele já está fazendo isso e encontrará o seu caminho. Desejo muito sucesso a ele e ao São Paulo.

GE.net: E de um camisa 10 do São Paulo para o outro, que conselho você daria ao Ganso?

Hernanes: O Ganso é um grande jogador, tem uma grande qualidade técnica e experiência suficiente para comandar o meio de campo do São Paulo. Desejo que ele tenha muito sucesso no São Paulo.

GE.net: Em relação àquele segundo jogo no Morumbi, qual foi o sentimento do grupo no vestiário depois de vencer a partida e acabar eliminado mesmo assim?

Hernanes: O sentimento foi de muita tristeza e, para mim, foi um momento muito frustrante, pois eu queria muito dar o título da Libertadores ao São Paulo. Mas saí do clube de cabeça erguida, com sensação de dever cumprido. Naquele jogo eu dei o meu melhor, assim como em toda a minha trajetória no São Paulo, fiz o que era possível. Além disso, fui bicampeão brasileiro e cumpri meu objetivo principal dentro do clube, que era ter pelo menos um quadro de campeão com a minha foto nas paredes do CT.

GE.net: E para o título brasileiro? Acha que o São Paulo tem força para repetir o feito do tricampeonato, quando se recuperou de eliminações na Libertadores?

Hernanes: O São Paulo tem uma grande equipe e acredito que pode brigar pelo título, sim. Estarei na torcida.

A melhor profecia é dizer para que o Osorio siga em busca de suas próprias convicções. Tenho certeza de que ele já está fazendo isso e encontrará o seu caminho. Desejo muito sucesso a ele e ao São Paulo.

GE.net: E como você avalia a situação atual dos três grandes rivais do São Paulo no estado?

Hernanes: Sinceramente, não tenho assistido aos jogos para fazer uma avaliação de cada um. Mas vejo pelos resultados que Palmeiras e Corinthians estão muito bem, na luta pela ponta, e que o Santos foi campeão paulista e agora está tentando se recuperar no Brasileiro, após um início ruim.

GE.net: Falando sobre Seleção Brasileira, acha que a expulsão contra a França em 2011 prejudicou a sua imagem como titular?

Hernanes: Não. Isso aconteceu há muito tempo. Depois disso, joguei diversas partidas pela Seleção, fui campeão da Copa das Confederações, fiz gol na própria França, joguei Copa do Mundo… Aquilo ficou muito distante no passado.

GE.net: Como alguém que viveu o 7 a 1 dentro do grupo, pode dizer qual era o ambiente no vestiário antes do jogo?

Hernanes: Era um ambiente de muita concentração e confiança. Achávamos que tínhamos condições de vencer e ir para a final diante da nossa torcida, jogando em casa.

GE.net: E depois do apito final?

Hernanes: Todos nós ficamos frustrados pela derrota e perplexos pela forma como ela aconteceu. Queríamos muito dar o título para o povo brasileiro. Era um sonho e o grande objetivo de todos daquele grupo.

Reserva no Brasil de Felipão, Hernanes viveu o 7 a 1 no banco de reservas (Foto: Mowa Press)
Reserva no Brasil de Felipão, Hernanes viveu o 7 a 1 no banco de reservas e não conseguiu dormir na noite seguinte (Foto: Mowa Press)

GE.net: Você conseguiu dormir naquela noite, após o jogo?

Hernanes: Não. Fiquei acordado até pelo menos 5 horas da manhã.

GE.net: O desequilíbrio emocional causado pela lesão do Neymar foi o principal fator da derrota, ou a Alemanha realmente é superior ao nível de 7 a 1?

Hernanes: O Neymar faz falta a qualquer equipe, é um craque, mas não acredito que tenha havido desequilíbrio emocional pela ausência dele. A Alemanha foi superior, isso é claro, mas eu acho que a diferença entre os times não era para um placar tão elástico.

GE.net: No momento do toque do Zúñiga, você já estava em campo havia dois minutos. Imaginou que a lesão fosse grave a ponto de tirar o Neymar da Copa?

Hernanes: Não, no momento não dava para saber a gravidade da lesão.

GE.net: Você tem sido apontado como um dos atletas que merecia mais chances no time do Dunga. E na sua opinião, tem algum jogador que não tem sido convocado, mas que merecia um espaço?

Hernanes: O Dunga é um excelente profissional, já mostrou isso na outra passagem dele pela Seleção. Cada treinador tem as suas preferências de acordo com o que imagina para o time. Sempre vai haver questionamento sobre um ou outro jogador que poderia ter sido convocado, ainda mais quando não se conquista o título, mas tenho certeza de que o treinador sempre vai fazer o que considera melhor para a Seleção naquele momento.

É difícil medir o que falta (para o São Paulo). A vida é mais baseada no que se tem do que no que falta. Acredito que no futebol nunca é o que falta que faz a diferença.

GE.net: O que sentiu ao ser deixado de fora do grupo da Copa América? Acha que poderia ter feito algo de diferente contra o Paraguai?

Hernanes: Atuar pela Seleção Brasileira é sempre um sonho, um objetivo, mas temos de saber respeitar as escolhas do treinador. Na última temporada eu sofri alguns problemas físicos no começo e meio da temporada que me atrapalharam um pouco. Terminei bem a temporada, mas, sendo realista, naquele momento eu sabia que minhas chances de ser convocado eram pequenas.

GE.net: O que falta para a seleção brasileira retomar seu posto de respeito?

Hernanes: O respeito é conquistado com vitórias, com grandes conquistas. Hoje temos uma seleção renovada que busca essas vitórias e conquistas, mas temos que ter um pouco de paciência, pois não é de uma hora para a outra que tudo vai acontecer.

GE.net: E para o São Paulo voltar a ser campeão? O que acontece com o clube?

Hernanes: É difícil medir o que falta. A vida é mais baseada no que se tem do que no que falta. Acredito que no futebol nunca é o que falta que faz a diferença. Para chegarmos àquele momento do tricampeonato brasileiro (em 2006, 2007 e 2008), por exemplo, o clube teve que achar um caminho, que passou por derrotas nos anos anteriores, até achar o rumo das conquistas em 2005. Acompanhando à distância, vejo que o São Paulo tem um bom time, que no papel pode conquistar títulos, mas ainda busca um grande momento como aquele. Isso é normal, faz parte de um processo. Torço para que isso aconteça o quanto antes.

GE.net: Você pretende continuar na Inter, ou tem planos de disputar outras ligas da Europa?

Hernanes: Estou muito feliz e motivado na Inter. Penso agora apenas em fazer o meu melhor pelo clube, brigar por títulos, jogar o meu melhor futebol e ajudar a equipe da melhor maneira possível. Estamos iniciando agora uma nova temporada com o sonho de levar a Inter novamente ao lugar que ela merece.

Polivalente nos tempos de São Paulo, Hernanes tem atuado como meia na Inter (Foto: Olivier Morin)
Polivalente nos tempos de São Paulo, Hernanes tem atuado como meia na Inter (Foto: Olivier Morin)

GE.net: Como está o seu italiano?

Hernanes: Está afiado, falo fluentemente. Sempre gostei de estudar idiomas em casa, por conta própria, então não tive dificuldade para aprender o italiano.

GE.net: Continua ambidestro em todos os aspectos?

Hernanes: Sempre (risos).

GE.net: Você chorou na sua despedida da Lazio. Sua relação com o clube italiano se compara à que teve com o São Paulo?

Hernanes: Na verdade, desde o momento em que cheguei à Itália eu tinha na cabeça uma frase do Maximus, protagonista do filme Gladiador: “Conquiste a massa e nenhum imperador terá poder contra você”. Eu acredito que consegui conquistar grande parte da “massa”, atuando pela Lazio. A minha relação com o clube e com os torcedores era especial. Então, naquele momento em que os torcedores me abordaram na saída do São Paulo, um filme passou na minha cabeça. Eu já estava emocionado, pois antes de encontrar os torcedores eu havia me despedido de todos dentro do clube. São relações diferentes com as duas torcidas. Na Lazio, eu já cheguei como uma grande contratação e em pouco tempo eu consegui corresponder em campo, com gols, com vitórias, e isso naturalmente foi aumentando a idolatria da torcida. No São Paulo, eu fui revelado no clube, então sempre existiu uma relação especial também. Até hoje ainda sinto um carinho muito grande dos torcedores são-paulinos, recebo muitos elogios e pedidos para voltar nas redes sociais. Fico muito feliz com isso.

Um filme passou na minha cabeça. Eu já estava emocionado, pois antes de encontrar os torcedores eu havia me despedido de todos dentro do clube.

GE.net: E a sua relação com o Roberto Mancini (técnico da Inter)?

Hernanes: É muito boa, uma ótima relação profissional. Ele é um cara justo e isso é importante. Vem fazendo um trabalho sério para que a Inter seja forte nessa temporada.

GE.net: Você teve uma breve passagem pelo Santo André entre as duas melhores fases do clube em duas décadas. Hoje o time briga para voltar a disputar Série D. Em 2006, quando você esteve no time, já era possível prever sinais dessa queda livre?

Hernanes: Não, nada mostrava que isso poderia acontecer. O Santo André viveu uma grande fase. Pessoas investiram no clube, trouxeram jogadores, alguns da casa também surgiram bem naquele momento. Mas essa fase passou e o clube teve uma queda. Infelizmente, isso faz parte do futebol.

GE.net: Com o Kaká de volta ao Tricolor no ano passado, bateu alguma vontade de voltar ao clube? Ou mesmo após a aposentadoria do Rogério Ceni, quando a torcida vai ficar carente de um ídolo?

Hernanes: Tenho um carinho grande pelo São Paulo, mas nem passa pela minha cabeça voltar ao Brasil agora. Tenho minhas metas na Internazionale e meu foco está aqui. Não penso nisso agora. Agradeço aos são-paulinos pelo apoio e fico feliz com os comentários dos torcedores pedindo a minha volta, mas no momento não penso em voltar. Tenho meus objetivos aqui na Inter.

Antes de viver seus melhores anos no Tricolor, Hernanes conquistou a torcida do Santo André em um empréstimo (Foto: Djalma Vassão/Gazeta Press)
Antes de viver seus melhores anos no Tricolor, Hernanes conquistou a massa do Santo André (Foto: Djalma Vassão/Gazeta Press)

*Especial para a Gazeta Esportiva.net