Ficou para ser campeão - Gazeta Esportiva
Helder Júnior e Tomás Rosolino
São Paulo (SP)
05/23/2017 08:01:16
 

Fábio Carille acha graça quando se recorda de uma famosa bronca que Tite, o seu mentor, deu em Luiz Felipe Scolari em 2011. “Fala muito! Fala muito!”, esbravejou o atual técnico da Seleção Brasileira, na área técnica do Pacaembu, durante um clássico contra o Palmeiras. Quem hoje comanda o Corinthians, ao contrário, é um homem de poucas palavras, que quase não dormiu antes de precisar instruir o ídolo Roberto Carlos em sua primeira partida como treinador, há sete anos.

Nesta entrevista exclusiva, contudo, Carille abriu uma exceção à Gazeta Esportiva e foi eloquente ao abordar os mais diversos assuntos durante cerca de meia hora. Revelou até que quase deixou o Corinthians, clube em que chegou como auxiliar em 2009, em mais de uma ocasião. A última delas foi em dezembro, cinco meses antes de surpreender os seus críticos com a conquista do Campeonato Paulista.

Inicialmente descartado pelo presidente Roberto de Andrade para a sucessão do demitido Oswaldo de Oliveira, Carille tinha propostas para seguir carreira como auxiliar em dois clubes da primeira divisão do futebol brasileiro. Conversou com a sua família – formada por torcedores do Corinthians – e decidiu deixar a tentação de lado e prosseguir no time do coração. Em 22 de dezembro, data que cita corriqueiramente, foi anunciado como novo técnico corintiano.

Não foi a primeira oportunidade que o Corinthians deu a Fábio Carille. Em 1995, então um jovem lateral esquerdo vindo do XV de Jaú, ele virou reforço do time que acabara de ser campeão paulista e da Copa do Brasil sob a direção de Eduardo Amorim. Transferiu-se para o Paraná no ano seguinte, porém, sem ter disputado nem um jogo sequer como corintiano.

Hoje, quem escolhe os atletas que jogam ou não no Corinthians é Carille. Ele está satisfeito por contar com Jô, e não com o astro marfinense Didier Drogba, como referência do seu ataque. E garante não ter se decepcionado com os meias Guilherme e Marlone, emprestados a Atlético-PR e Atlético-MG, ou com o volante Cristian, afastado pela diretoria. Sem eles, o tímido treinador já começa a sonhar em repetir as maiores conquistas de Tite no clube. À sua maneira. Sem falar muito.

Fábio Carille ambiciona repetir as grandes conquistas de Tite pelo Corinthians (fotos: Fernando Dantas/Gazeta Press)

Gazeta Esportiva: Hoje, quase um mês após se dizer “meio perdido” com a conquista do Campeonato Paulista, você já conseguiu compreender o significado desse título?
Fábio Carille: Sim, sim [risos]. Tudo ainda está muito vivo na minha cabeça, com a ficha caindo e a responsabilidade aumentando. Antes, ninguém acreditava no Corinthians. Agora, as pessoas já estão falando em título brasileiro. Mas estamos tranquilos com o que poderá acontecer na sequência do trabalho. Vamos fazer as coisas com calma.

Gazeta Esportiva: O seu primeiro título como técnico, conquistado com menos de 40 jogos no currículo, é ainda mais inesperado se levarmos em consideração o contexto do final do ano passado. Quando anunciou a demissão do Oswaldo de Oliveira, o presidente Roberto de Andrade só descartou um candidato à sucessão: você.
Fábio Carille: Olha, vou ser bem sincero: recebi essa declaração com muita naturalidade. Se eu fosse o presidente do Corinthians, provavelmente não teria me colocado no cargo. O ano que passou foi bem difícil, com brigas internas no clube, com 20 jogadores saindo, sem resultados… Eu traria um cara com bastante respaldo para encarar tudo isso. Mas não deu certo com o colombiano. Rueda, né? Aí, fui oficializado no dia 22 de dezembro. Só que, no dia 19, já havia recebido uma ligação que tinha deixado essa possibilidade no ar. Parecia que eu estava perto. [Campeão da Copa Libertadores da América pelo Atlético Nacional, Reinaldo Rueda recusou o convite do Corinthians com a justificativa de que precisava passar por uma cirurgia no quadril.]

Gazeta Esportiva: A ligação foi do Roberto?
Fábio Carille: Não. Foi de uma pessoa ligada ao clube. No dia 20, até comentei com o meu pai que eu achava que seria o técnico do Corinthians. A minha esperança voltou naquele momento. Mas, com muita sinceridade, não sei se eu me contrataria.

Quando Rueda recusou o Corinthians, Carille ficou na expectativa de receber um convite (foto: Fernando Dantas/Gazeta Press)

Gazeta Esportiva: O que você acha que te fez ser contratado?
Fábio Carille: Quando não deu certo com o Rueda, o mercado não apresentava muitas coisas. E ainda veio essa ligação. A possibilidade existia.

Gazeta Esportiva: A ligação que confirmou as suas expectativas deve ter sido ainda mais marcante.
Fábio Carille: Recebi o chamado do Corinthians com muita alegria e confiança. Topei na hora, assim que o Flávio [Adauto, diretor de futebol] e o Alessandro [gerente de futebol] me perguntaram se eu queria ser o treinador. Saí do encontro com eles muito feliz por ter essa primeira oportunidade na carreira. Nem costumo contabilizar os jogos que fiz como técnico interino porque, quando é assim, você não tem tempo para quase nada. No jogo contra o Fluminense mesmo [derrota por 1 a 0 em 16 de junho de 2016, pelo Campeonato Brasileiro, no Mané Garrincha], depois da saída do Tite, eu estava no Rio de Janeiro e saí correndo para Brasília. Só me juntei à equipe no dia do jogo. Agora, foi muito importante vivenciar 28 dias com o elenco, estar presente no dia a dia.

Gazeta Esportiva: Qual proposta te deixou mais feliz: para ser jogador do Corinthians, auxiliar do Corinthians ou técnico do Corinthians?
Fábio Carille: Com certeza, para ser técnico. Ser atleta do Corinthians te proporciona uma felicidade enorme, mas você é mais um. O técnico, não. Quando você é técnico, o time é seu.

Gazeta Esportiva: Esse é o Corinthians do Carille.
Fábio Carille: Sim, do carille [o técnico se empolga com o trocadilho do seu sobrenome com um palavrão e vibra com o punho cerrado]! De verdade, é uma alegria muito grande estar aqui, uma responsabilidade. E, por trabalhar no clube há oito anos como auxiliar, cheguei muito bem preparado para o cargo. Se estivesse em outra equipe, e até acho muito difícil que acontecesse uma proposta nesse caso, não teria uma bagagem para assumir o Corinthians. Esse tempo como auxiliar me deixou muito calejado. Sempre acreditei que poderia treinar uma grande equipe. Só achava que a oportunidade demoraria um pouco mais a chegar.

Pupilo de Mano Menezes e Tite esperava iniciar a carreira de técnico em um clube menor (foto: Fernando Dantas/Gazeta Press)

Gazeta Esportiva: Você nunca escondeu a sua ambição de ser técnico. Chegou a estipular uma data para deixar o Corinthians e tornar-se treinador em outra equipe?
Fábio Carille: Poxa, cara, baita de uma pergunta essa [o treinador se anima e inclina o corpo para a frente]!.Vou responder pela primeira vez sobre isso. Cheguei ao Corinthians em 2009 e coloquei na minha cabeça que ficaria três anos. Depois, sairia para ser técnico em outro lugar. Não pensava em ficar anos e anos na função, como o Milton Cruz fez no São Paulo, por exemplo. Não, não. Mas o clube foi me dando confiança, espaço para trabalhar. A forma como os dirigentes brasileiros tratam o futebol, exigindo resultados imediatos, também me fez continuar no Corinthians. Você se senta para conversar com um diretor, olha o elenco que ele te oferece e vê que não é legal. Só que esse diretor fala que tem que ser campeão. E você: “Pera aí, ser campeão como? Deste ano ou do outro?”. Foi essa pressão por resultados rápidos que acabou estendendo a minha permanência aqui.

Gazeta Esportiva: Você chegou a receber propostas para sair, então?
Fábio Carille: Sim. Recebi uma em 2011. E, depois do Mundial de 2012, que valorizou todo o mundo, os convites foram vários.

Gazeta Esportiva: De que clubes?
Fábio Carille: De clubes da Série B, da primeira divisão do Campeonato Paulista. De lugares bons para começar.

Gazeta Esportiva: Justamente os lugares em que você tinha projetado começar a sua carreira de treinador.
Fábio Carille: Sim, exatamente onde eu tinha projetado. Em dezembro agora – e é claro que não vou falar quais são os clubes –, recebi dois convites que quase me fizeram sair do Corinthians.

Gazeta Esportiva: De novo de clubes da segunda divisão?
Fábio Carille: De clubes da primeira divisão, para ser auxiliar. Ainda não era para assumir um time, mas aquilo me encheu os olhos. Quase deixei o Corinthians antes do dia 22, quando fui anunciado. Mas, conversando com a minha família, achei melhor ficar. Como disse, foram vários convites para sair de 2012 para cá. Só não fui embora pela forma como os dirigentes brasileiros administram o futebol.

Proposta para sair do Corinthians “encheu os olhos” de Fábio Carille (foto: Fernando Dantas/Gazeta Press)

Gazeta Esportiva: Você tinha acabado de ouvir do presidente do Corinthians que não seria o técnico do clube, já havia construído uma longa trajetória como auxiliar aqui dentro… A sua maior chance de evoluir profissionalmente seria aceitando uma dessas propostas que recebeu em dezembro, não?
Fábio Carille: Não achei que era o momento. Eu tinha a confiança do Roberto [de Andrade], e o clube sempre me valorizou muito. Chegava um novo profissional aqui, e eu continuava como auxiliar. Nós, técnicos, temos que melhorar muito o nosso jeito de trabalhar. Estamos buscando isso com cursos e conversas. Mas não somos somente nós. Os dirigentes também precisam melhorar demais. No Corinthians, um clube desse tamanho todo, eu já tinha uma estabilidade.

Gazeta Esportiva: Ainda assim, você cogitou abrir mão do que tinha aqui.
Fábio Carille: Todos os convites que recebi me balançaram. É que, nesses dois últimos, a expectativa foi maior, durou mais tempo. Era outra projeção, diferente, em outro clube. Seria uma nova direção para a minha vida. É claro que mexeu bastante comigo.

Gazeta Esportiva: O fato de o Corinthians ser o seu time de coração também te balança na hora de fazer uma escolha? Quando você começou a ganhar mais espaço na mídia, logo surgiram fotografias suas, ainda garoto, com uniformes do clube.
Fábio Carille: É diferente estar no Corinthians. Sou de 1973 e vivi em São Paulo até 1984, quando me mudei para Sertãozinho. Lembro de ir a estádio com o meu pai naquele tempo. É o time da família. Temos muita história. Para mim, então, o momento atual é muito especial mesmo.

Gazeta Esportiva: Quem foi o seu grande ídolo como torcedor?
Fábio Carille: Eu me lembro muito da época do Sócrates. Em 1977, quando o Corinthians ganhou o Campeonato Paulista e acabou com o jejum, eu tinha quatro anos. O meu pai conta que subimos na laje para comemorar, mas não me recordo disso. Comecei a entender mais o Corinthians e o futebol com nove, 10 anos. Então, os meus ídolos foram Sócrates, Zenon, esses caras.

Gazeta Esportiva: Já como funcionário do Corinthians, você chegou a ter contato com esses ídolos?
Fábio Carille: Com o pessoal da Democracia, de 1982, 1983, não. Mas o pessoal de 1977 nos acompanha muito – o Basílio, o Wladimir, o Tobias. É legal.

De torcedor a ídolo? Técnico conquistou fãs durante o Campeonato Paulista (foto: Djalma Vassão/Gazeta Press)

Gazeta Esportiva: Como era o Fábio Carille torcedor do Corinthians?
Fábio Carile: Não sei se já cheguei a chorar, mas torcia muito mesmo. A minha infância foi toda com bola, jogando nos campinhos de rua que tínhamos em São Paulo antigamente. Não me lembro de andar com pipa ou pião na mão. Era sempre bola. O meu pai até contou uma história de um ferrorama que ele ganhou da firma para me dar, que eu nem quis ver. O meu pé era todo estropiado de jogar bola na rua.

Gazeta Esportiva: Foi ruim ir morar em Sertãozinho, no interior de São Paulo, e perder um pouco de contato com o Corinthians?
Fábio Carille: É… Eu tinha 11 para 12 anos e já estava jogando futebol de campo no Juventus e de salão no CTC da Vila Ema. Não queria ir embora de jeito nenhum. Mas o meu pai estava desempregado e precisou se mudar para lá. Naquela época, é claro que você não tinha as mesmas facilidades de informação de hoje. Há 30 anos, a gente enfrentava dificuldades para ver os jogos, essas coisas. Mas quem nasce corintiano sempre busca acompanhar. A gente nunca deixa de ser torcedor.

Gazeta Esportiva: Quais foram os seus jogos marcantes dessa época?
Fábio Carille: Antes de nos mudarmos para Sertãozinho, eu ia tanto a estádios. Lembro-me das finais contra o São Paulo [do Campeonato Paulista de 1982], do gol do Biro-Biro, e de quando a gente perdeu o título [do Estadual de 1984] para o Santos, com gol do Serginho Chulapa. Essas coisas são bem vivas na minha cabeça.

Gazeta Esportiva: Com tantas memórias, como foi receber a chance de ser lateral esquerdo do Corinthians, em 1995? Ficou frustrado por passar pelo clube sem ter disputado nem uma partida sequer?
Fábio Carille: O Corinthians contratou vários jogadores que se destacaram no interior de São Paulo em 1995. Eu cheguei do XV de Jaú, tendo conquistado o acesso, o Luciano veio do Taubaté, e também acertaram com o goleiro Maizena, com o Leônidas, um meia da Paraguaçuense, com o Carlos Roberto, lateral da Portuguesa… Tudo isso porque o Corinthians disputaria três competições no primeiro semestre de 1996 – o Paulista, a Copa do Brasil e a Libertadores – e precisava se reforçar. Então, não vim para jogar. Vim para conhecer o Corinthians, aprender e ser utilizado mais tarde. Quando chegou o final do ano, o Eduardo Amorim, que era o técnico da época, pediu para eu continuar no clube. Só que o XV de Jaú precisava fazer dinheiro com a minha transferência e preferiu me vender para o Paraná. Mas, mesmo não tendo jogado aqui, sei que o Corinthians é marcante. Encerrei a minha carreira de jogador em 2007, e ainda se falava que eu era o Fábio que esteve no Corinthians. Passar por esse clube é muito significante para um atleta.

Não havia espaço para o lateral esquerdo Fábio no Corinthians campeão paulista de 1995 (foto: acervo/Gazeta Press)

Gazeta Esportiva: Como era o seu relacionamento com as estrelas do Corinthians de 1995? Com o goleiro Ronaldo, o Marcelinho Carioca?
Fábio Carille: Ótimo. Encontrei o Célio Silva, que é muito engraçado, nesses dias. Ele está trabalhando na base do Corinthians. De vez em quando, também vejo o Marcelinho Carioca. O Vítor, que foi lateral direito, esteve aqui outro dia. O Fabinho e o Tupãzinho, campeões em 1990, me abraçaram de um jeito muito especial em 1995. O Ronaldo já era mais sério, focado no trabalho. Aquele elenco também tinha muitos jovens com talento, como o Marques, o Hermes, o Fabinho Fontes, o Tupãzinho lateral direito, o Cris zagueiro… Foi um momento legal da minha vida.

Gazeta Esportiva: O seu pai, corintiano, devia estar muito orgulhoso do filho.
Fábio Carille: Sim, bastante. Tudo aconteceu muito rapidamente na minha carreira. Eu era um moleque de 22 anos quando vim para o Corinthians. Trabalhei até os 19 anos, fui para o XV de Jaú, disputei dois campeonatos e, de repente, estava no Corinthians. Se visse em outra etapa, depois de passar por um União São João de Araras, por exemplo, talvez tivesse chegado mais encorpado.

Gazeta Esportiva: Mesmo sendo um jovem recém-chegado do XV de Jaú, não houve nem uma partida em que você tenha criado expectativas de entrar em campo pelo Corinthians?
Fábio Carille: Não. O Sylvinho [que viria a ser auxiliar do Corinthians juntamente com Carille] era o lateral esquerdo nessa época e tinha uma regularidade muito grande. O Carlos Roberto, reserva, era um jogador mais preparado do que eu no momento. E até o Elivélton chegou a fazer alguns jogos na minha posição. Então, não tive essa sensação de ficar perto de jogar. Mas eu queria ficar ao menos mais um ano. Confiava em um acerto do XV de Jaú com o Corinthians, que não veio.

Gazeta Esportiva: Você vê alguma semelhança entre aquele Corinthians de 1995 e o atual?
Fábio Carille: Esse Corinthians se assemelha mais ao de 1990 [também desacreditado e marcado por fazer poucos gols], quando jogadores como Neto, Márcio e Wilson Mano se fecharam em busca de um objetivo e conquistaram o Campeonato Brasileiro. Há semelhanças nesse aspecto.

Gazeta Esportiva: Com tão pouco tempo à frente desse Corinthians, você já se sente mais realizado como técnico do que como jogador?
Fábio Carille: Olha… Eu me sinto bastante realizado pelo que fiz como atleta, até em função das minhas limitações. Apesar delas, sempre fui muito concentrado, atento ao que os treinadores pediam. Muitos até falam que fui o primeiro a executar bem essa linha de quatro defensores, feita na Europa hoje, enquanto lateral. Agora, estou nessa caminhada como técnico, muito feliz por ter conquistado um título importante tão rapidamente, da forma que foi. Estou realizado, sim, mas quero buscar muito mais.

Estreia de Fábio Carille como técnico ocorreu em um 13 de outubro, data do título de 1977 (foto: Fernando Dantas/Gazeta Press)

Gazeta Esportiva: Essa sua trajetória como técnico do Corinthians tem algumas coincidências. Você fez o seu primeiro jogo no cargo em um 13 de outubro, data emblemática para os torcedores pela conquista do Campeonato Paulista de 1977. Depois, foi campeão paulista em cima da Ponte Preta, exatamente como naquela final de 40 anos atrás.
Fábio Carille: A minha estreia foi em 13 de outubro?

Gazeta Esportiva: Sim, em 2010, uma derrota por 2 a 0 para o Vasco em São Januário.
Fábio Carille: Para você ver, né? Naquele primeiro jogo, substituí o Adilson Batista, que tinha caído por causa de uma derrota para o Atlético-GO em casa. Viajei para o Rio de Janeiro e já tive que dar preleção para o Roberto Carlos [risos].

Gazeta Esportiva: O cara que era a sua referência como lateral esquerdo.
Fábio Carille: É. Eu não conseguia nem dormir. Pensava: “Mas o que é que eu vou falar?”. Vamos para o meu segundo jogo, contra o Guarani [empate por 0 a 0], e Roberto Carlos e Ronaldo estão na sala. Pô, são os caras que trabalharam com os melhores técnicos na Europa. O que eu falaria?

Gazeta Esportiva: O que você falou?
Fábio Carille: Procurei seguir as ideias do Mano Menezes. Eles já tinham trabalhado com ele, que era o técnico da Seleção Brasileira. Então, falei bem rapidamente, por 15 minutos, sendo muito direto com cada um.

Gazeta Esportiva: Tremeu na hora de abrir a boca?
Fábio Carille: [Risos.] Na verdade, não fiquei tão assustado no momento porque passei todo o dia anterior me preparando. Não dormi à noite mesmo, só pensando em falar assim, em falar de outro jeito. Então, eu estava preparado. Só que fácil, não é.

Gazeta Esportiva: Ronaldo e Roberto Carlos também conheceram o Corinthians em crise, como na derrota para o Tolima de 2011, na pré-Libertadores. Foram episódios como aquele que te deram lastro para estar no comando do time hoje?
Fábio Carille: Já estou no meu nono ano de Corinthians. Cheguei praticamente junto com o Ronaldo. Aquilo assusta, né? É um cara que a gente via pela televisão. Depois, veio o Roberto Carlos, um jogador da minha posição, da minha idade, uma referência desde as épocas de União São João, Palmeiras, Seleção Brasileira, daquele time que perdeu para Portugal do Ernesto Paulo [refere-se ao Mundial sub-20 de 1991, quando o Brasil de Roberto Carlos foi derrotado nos pênaltis na decisão contra os portugueses]. Estar com eles foi marcante, com certeza. Depois, o pior momento certamente foi esse contra o Tolima, em que o Corinthians foi muito profissional. O clube poderia ter mandado o Tite embora, mas o manteve, acreditou no trabalho, e isso deu resultado.

Intimidado, Carille virou auxiliar de Mano Menezes na época da contratação de Ronaldo (foto: Marcelo Ferrelli/Gazeta Press)

Gazeta Esportiva: Você ainda não teve que lidar com uma crise como aquela, mas já enfrentou algumas situações embaraçosas como treinador efetivo. A negociação com o Drogba, por exemplo. Muito se falou que você não queria o jogador no Corinthians. Hoje, o Jô é um dos grandes destaques da sua equipe. A maneira como as coisas se resolveram foi a melhor possível para o clube?
Fábio Carille: Sim. O dia a dia foi mostrando, né? Falavam que o Fábio não queria o Drogba, mas isso nunca chegou aqui. Era coisa de marketing, distante de nós. Depois, disseram que o Fábio queria o Emerson Sheik no Corinthians. Isso nunca aconteceu. Essas coisas me irritam. Achar que sou bom, que sou ruim, tudo bem. Mas colocar palavras na minha boca não dá. Lá dentro [aponta para a sala de imprensa do CT Joaquim Grava, onde concede as suas entrevistas coletivas], já reclamei disso. Estamos encarando essa desconfiança desde o começo, e o maior mérito foi não deixá-la afetar o grupo de jogadores.

Gazeta Esportiva: Falando sobre o elenco, você comentou que não desistiria de nenhum jogador, mas alguns deles saíram. O que te fez, por exemplo, dar aval para o empréstimo do Guilherme para o Atlético-PR? Perdeu as esperanças de que ele ainda poderia vingar no Corinthians?
Fábio Carille: Na verdade, isso não parte só do técnico. Parte também do atleta, do empresário, da vontade de buscar outros ares e voltar em uma situação melhor. Foi o mesmo com o Marlone. Ele era titular e passou mal [foi desfalque de última hora em um clássico contra o Palmeiras, vencido por 1 a 0, em Itaquera]. Aí, quando estava voltando a ter uma chance, apareceu o desejo de ir para o Atlético-MG. Não me desfiz de ninguém. Não teve: “Olha, o Fábio não quer”. Foi tudo em conjunto com a diretoria, com o empresário e com o atleta. Enquanto o jogador estiver aqui – e dois que são muito criticados continuaram, o Giovanni Augusto e o Marquinhos Gabriel –, não vou me desfazer. É necessário um processo de adaptação para alguns atletas, como, no passado, aconteceu com o Paulinho e o Leandro Castán, por exemplo. Tenho certeza de que, continuando aqui e tendo dedicação, os resultados aparecerão.

Gazeta Esportiva: Então, nenhum jogador te decepcionou?
Fábio Carille: Em nenhum momento. Sei da qualidade deles, do potencial. Faltou passar por esse processo de adaptação.

Gazeta Esportiva: Nem o Cristian?
Fábio Carille: Nem o Cristian. Ele tem todo o direito dele. Respeito bastante o Cristian pelo atleta que foi. Trabalhei com ele durante seis meses em 2009 e sei da sua capacidade. Aconteceram os problemas na Turquia [defendia o Fenerbahce], de falta de sequência de trabalho após a saída dele, e isso acabou atrapalhando. Tive que ser justo na hora de fazer a lista do Campeonato Paulista, em que o Cristian ficou fora. Chamei cada um dos 40 jogadores para explicar quem estaria dentro da relação de 28. Depois, o afastamento dele se deu por uma entrevista em que ele pouco falou de mim. Foram questões que não sei se ele deveria ter exposto. Mas o Cristian está aí, no CT, trabalhando. Sempre que nos encontramos, o tratamento é normal, conversamos. Está tudo tranquilo. [Dono de um dos maiores salários do elenco e já com uma história no Corinthians, Cristian se incomodou com o ostracismo e desabafou em entrevista ao jornal Lance!, em março, quando chiou até do furto de uma aliança durante a pré-temporada da equipe nos Estados Unidos; a diretoria decidiu afastá-lo do convício com os demais atletas após as queixas.]

Carille assegura que mantém um relacionamento “normal” com o afastado Cristian (foto: Daniel Augusto Jr./Ag. Corinthians)

Gazeta Esportiva: O bom relacionamento com os atletas é apontado como uma das principais virtudes do Tite, um dos seus mentores. Você já falou muito sobre as semelhanças entre o seu trabalho e o dele ao longo dos últimos meses. E as diferenças, quais são?
Fábio Carille: Aprendi muito com os técnicos que passaram pelo Corinthians. Comecei com o Mano Menezes, um cara que chegou à Seleção Brasileira, com títulos. Depois, foram seis títulos com o Tite, a minha referência como treinador. Hoje, há uma coisa em que sou diferente dele e que talvez eu mude no futuro: sou de falar pouco. É uma coisa que me preocupava muito, em relação à maneira de me expor ao grupo, mas estou trabalhando isso bastante. Já me sinto mais solto. Três vezes por semana, tenho que enfrentar toda a imprensa nas entrevistas coletivas. Com os jogadores, também estou à vontade. Com o passar do tempo, talvez eu comece a falar mais. Agora, não. Até as minhas respostas costumam ser mais curtas do que as do Tite.

Gazeta Esportiva: Ele nunca te dará uma bronca, então, dizendo que você “fala muito, fala muito” [risos]. [Tite popularizou o “fala muito” ao dar uma bronca em Luiz Felipe Scolari durante um clássico contra o Palmeiras, em 2011.]
Fábio Carille: Isso, isso [risos]. Mas vamos ver, né? Com o passar dos anos, vou falando mais. Quem sabe fico diferente?

Gazeta Esportiva: O Tite conta com o filho dele, o Matheus, como auxiliar desde os tempos de Corinthians. O seu filho Leonardo tem só sete anos e aparece no CT de vez em quando. Como é a relação dele com o seu trabalho? Ele só te viu a serviço do Corinthians. É torcedor fanático?
Fábio Carille: Ele é muito novo ainda, né? Está naquele processo meu de 1977, de não lembrar muito das coisas. Quando vem assistir aos jogos, é só bagunça [risos]. Quando está em casa, também coloca a camisa do Corinthians para ver, fica vidrado.

Gazeta Esportiva: Qual é o jogador de que ele mais gosta?
Fábio Carille: Ele gosta do Cássio porque, em alguns encontros, foi quem deu bastante atenção, brincou. Também gosta do Jadson, do Rodrigo. Enfim, quando chego em casa, ele fala de todos, mas vejo que tem um carinho maior pelo Cássio.

Gazeta Esportiva: Ele já te corneta?
Fábio Carille: Ainda não, ainda não [risos]. Mas, do jeitinho que ele é, com um pouco mais de idade, vai ser de cornetar, sim.

Após surpreender os críticos, técnico teme que um desmanche atrapalhe os seus planos (foto: Fernando Dantas/Gazeta Press)

Gazeta Esportiva: Você já está calejado, né? No começo do ano, era o menos badalado entre os técnicos jovens do Trio de Ferro. Tão pouco tempo depois, o Eduardo Baptista já foi demitido pelo Palmeiras, o Rogério Ceni está precisando lidar com uma crise no São Paulo e o Fábio Carille é campeão paulista pelo Corinthians. Como vê essa mudança tão repentina?
Fábio Carille: O Eduardo, até pelos trabalhos que fez no Sport e na Ponte Preta, chegou com um peso maior ao Palmeiras. Mas era um momento difícil para ele assumir. Pegar time campeão é complicado. O time foi campeão de um jeito, e você vem, faz uma coisinha diferente e já escuta: “Pô, mas a gente foi campeão daquele jeito!”. Já o Rogério contava com o peso de toda a sua história como atleta do São Paulo. Eu tinha menos expressão mesmo. Procurei seguir as minhas convicções, me fechei com o grupo e vi os resultados aparecerem dentro de campo.

Gazeta Esportiva: Até onde a quarta força do futebol paulista chegará? Já escutei você dizer que a sua equipe te faz lembrar a formação do elenco campeão da Libertadores e mundial em 2012. [Para a maioria dos analistas, o Corinthians era a “quarta força” do Estado no início do ano.]
Fábio Carille: Em relação a conquistas no Corinthians, não me esqueço de jeito nenhum de todo aquele dia da final da Libertadores, com esse CT lotado, fogos… e da ida para o Mundial. Pegamos a estrada lotada de torcedores, o aeroporto tomado. Foi inesquecível. Agora, vamos tentar fazer a nossa parte, né? Sabemos que temos que trabalhar muito. Aquele foi um trabalho de três anos – começou em 2010, encorpou em 2011 e chegou muito forte em 2012. Temos consciência de que o clube tem os seus problemas hoje e depende de negociações de atletas. Você não consegue manter um grupo por muito tempo. Mas é um sonho, e a gente vai em busca.