Órfão no Corinthians, Arana alterna timidez e desembaraço para se firmar - Gazeta Esportiva
Helder Júnior e Tomás Rosolino
São Paulo (SP)
06/24/2016 08:06:46
 

Guilherme Arana parece outra pessoa quando está diante de um microfone. Depois de cumprimentos animados, o lateral esquerdo revelado pelo Corinthians tirou o boné, abaixou a cabeça, escondeu as mãos sob as pernas e mordeu os lábios quando começou a conceder, de fato, esta entrevista para a Gazeta Esportiva. Só se soltou definitivamente – a ponto de abrir largos sorrisos, exibindo o aparelho ortodôntico –quando o assunto era a parceria de longa data que mantém com o atacante Malcom, hoje no Bordeaux, da França.

Foi ao lado de Malcom que Arana se apresentou como um jogador bastante desinibido no início de sua trajetória profissional no Corinthians. Os garotos não demoraram a adquirir intimidade suficiente para perturbar os mais velhos do elenco, que só não os amarraram nas traves do CT Joaquim Grava porque o zagueiro Gil, o protetor da dupla, impediu antes de sair para o Shandong Luneng, da China.

Hoje, Guilherme Arana está órfão de Gil e Malcom no Corinthians, além de ter perdido o convívio de outros amigos que fez nas categorias de base – o volante Marciel foi emprestado ao Cruzeiro em troca pelo veterano Willians, enquanto o meia Matheus Pereira, o Pirulão, está a caminho da italiana Juventus.

Mantendo contato com os antigos companheiros por aplicativos de telefone celular, Guilherme Arana é cauteloso ao sonhar com o dia em que também dará novos rumos à ainda curta carreira. Fã do aposentado Roberto Carlos, o garoto de 19 anos adotou o concorrente Uendel como tutor na expectativa de acumular outras conquistas. E, mesmo já desembaraçado, soube mostrar timidez na hora de ser respeitoso com quem tem mais experiência. “Está vendo? Não dói nada dar entrevista”, brincou uma assessora de imprensa do Corinthians, ao final da conversa.

A entrevista "não doeu", mas Arana demorou a se soltar (foto: Djalma Vassão/Gazeta Press)
A entrevista “não doeu”, mas Arana demorou a soltar a língua (foto: Djalma Vassão/Gazeta Press)

Gazeta Esportiva: Você foi titular na reta final do Campeonato Brasileiro do ano passado porque o Uendel estava contundido. Participou, inclusive, do jogo que sacramentou a conquista do Corinthians, o empate com o Vasco em São Januário. Daqui a alguns anos, quem será lembrado como o lateral esquerdo daquele time campeão?
Guilherme Arana: Bom… Nós dois fomos importantes, né? Eu me machuquei também, mas consegui voltar mais rapidamente. Fiz alguns jogos grandes. Então, é difícil responder essa pergunta (risos). Mas espero que me escalem.

Gazeta Esportiva: Você vai se escalar?
Guilherme Arana: Ah, com certeza. Vou passar isso para os meus futuros filhos. Não vou escalar o Uendel, não (risos).

Gazeta Esportiva: Como é a sua relação com o Uendel?
Guilherme Arana: É normal. Quando um ou outro vai jogar, a gente procura conversar, comentar sobre o que está acontecendo. O Tite sempre falou de trabalhar forte e com lealdade, e é isso o que a gente faz. Ele está jogando agora. Se pintar uma oportunidade, estarei preparado para fazer o meu melhor. Não temos rivalidade nem qualquer problema.

Gazeta Esportiva: E fora de campo? Vocês são amigos de frequentar as casas um do outro?
Guilherme Arana: Nunca chegamos a sair. A gente sempre conversa no vestiário, onde temos uma amizade sadia. A relação costuma ficar lá dentro mesmo. Ainda não fomos a um aniversário ou a um churrasco juntos, por exemplo.

Gazeta Esportiva: Você se lembra dos primeiros contatos que teve com o Uendel, quando foi promovido ao time profissional do Corinthians?
Guilherme Arana: Quando subi, o Fábio Santos ainda estava aqui, jogando. Eu era o terceiro lateral. Mas a gente já conversava, treinava junto, trabalhava forte. O Uendel me passava uns conselhos. É um cara que me ajuda desde aquela época, que sempre foi gente boa comigo.

Novato contou com apoio dos mais velhos, como o auxiliar Fábio Carille, nos primeiros percalços como profissional (foto: Sergio Barzaghi/Gazeta Press)
Novato contou com apoio dos mais velhos, como o auxiliar Fábio Carille, nos primeiros percalços como profissional (foto: Sergio Barzaghi/Gazeta Press)

Gazeta Esportiva: Essa relação acabou interrompida com o seu empréstimo para o Atlético-PR. Ficou feliz quando o Fábio Santos foi vendido para o Cruz Azul e te pediram para retornar ao Corinthians às pressas?
Guilherme Arana: Sempre falo que o Atlético foi algo muito bom para mim, uma experiência positiva. Mas, quando fiquei sabendo do interesse do Corinthians, nem pensei duas vezes. Quis voltar para o clube que me revelou, ficar perto da minha família. Sabia que as oportunidades apareceriam, até porque o Tite só tinha o Uendel para a posição. Graças a Deus, deu tudo certo, e a gente ainda conquistou o título. Se estivesse no Atlético, eu não teria sido campeão.

Gazeta Esportiva: Participar de jogos decisivos daquela campanha foi o seu teste de fogo como jogador profissional?
Guilherme Arana: Sim. Foi a primeira vez em que tive uma sequência, estando em campo em partidas difíceis. Não tenho como me esquecer da minha estreia (o prata da casa substituiu o lesionado Uendel no decorrer da partida contra o Sport, entregou um gol para o atacante Hernane e recuperou-se, provocando o pênalti que definiu a vitória por 4 a 3 em Itaquera). Nesse jogo mesmo, o Uendel deu muita força quando errei e elogiou quando acertei. Na época em que voltei do Atlético, ele já tinha me perguntado sobre a experiência lá, se o grupo também era bom. É isso aí: um ajudando o outro.

Gazeta Esportiva: Mas já faz algum tempo que o Uendel não te dá uma brecha para jogar.
Guilherme Arana: Fico tranquilo quanto a isso. Sei que a oportunidade vai aparecer em algum momento. Se trabalhar forte, vou aproveitar bem essa chance. Tudo tem o seu tempo. Hoje, o Uendel está jogando muito bem, dando assistências, fazendo gols. Nunca vou desejar o mal dele.

Gazeta Esportiva: Recentemente, contra o Coritiba, ele estava com desgaste muscular.
Guilherme Arana: O professor Tite tinha me dito para ficar preparado porque poderia jogar. Não era certeza. Se o Uendel não aguentasse, eu já estaria focado, pensando no que fazer. Mas, independentemente de como o Uendel estiver, sempre vou executar bem o meu trabalho, já que treino forte.

Gazeta Esportiva: O Uendel hoje é a sua referência mais próxima de um lateral esquerdo. Antes, em quem você se espelhava?
Guilherme Arana: Sempre olhei o Marcelo, do Real Madrid. Mas, bem antes mesmo, era o Roberto Carlos. Não vai nascer outro lateral igual. Procuro assistir aos jogos que ele fez, principalmente para melhorar na parte defensiva. E o chute, né? Essa era uma característica muito boa dele. O Roberto chutava muito. É um cara em quem eu me espelho.

Roberto Carlos já era exemplo para Arana antes mesmo de defender o Corinthians (foto: Daniel Augusto Jr./Ag. Corinthians)
Roberto Carlos já era exemplo para Arana antes mesmo de defender o Corinthians (foto: Daniel Augusto Jr./Ag. Corinthians)

Gazeta Esportiva: Você não teve referências do Corinthians em sua formação como lateral esquerdo?
Guilherme Arana: Das antigas, assim, a referência era mais externa mesmo. Ah, e o Roberto Carlos jogou aqui, né? Quando ele veio, eu já estava na base. Fiquei feliz. Não chegamos a conversar, até porque eu era bem novinho, estava no sub-13. Mas foi algo que me deixou muito animado. (Roberto Carlos foi a principal contratação do Corinthians para 2010, temporada do centenário, e não vingou. Virou desfalque de última hora contra o colombiano Tolima, na vexatória eliminação na pré-Libertadores do ano seguinte, e trocou o clube pelo russo Anzhi Makhachkala com a alegação de que se sentia ameaçado por torcedores organizados.)

Gazeta Esportiva: Começou a pensar em seguir o exemplo do Roberto Carlos e construir uma carreira na Europa ou gostaria de se firmar no Corinthians primeiro? O seu nome já está envolvido em especulações.
Guilherme Arana: Procuro me firmar aqui no Corinthians, né? Hoje, visto a camisa do Corinthians, então tenho que dar o meu melhor. O que vier mais para a frente será resultado do que estou fazendo agora. Não acho que deva ficar pensando nisso. O foco é no meu desempenho. No futuro, quem sabe, também gostaria de ir para a Seleção Brasileira. Ainda não tive o prazer de jogar com a camisa amarela. Nem na base.

Gazeta Esportiva: Com o Tite, ficou mais fácil, hein? As Olimpíadas estão aí…
Guilherme Arana: Ah, disso aí eu já não sei.

Gazeta Esportiva: Ele já te conhece.
Guilherme Arana: É… Vamos trabalhar (risos).

Gazeta Esportiva: Deixando a Seleção Brasileira de lado, mesmo que você esteja com o seu foco voltado apenas para o Corinthians, não é estranho ver a maioria dos jogadores da sua geração longe do clube? O Malcom foi para o Bordeaux, o Marciel está emprestado para o Cruzeiro, o Pirulão (Matheus Pereira) vai para a Juventus…
Guilherme Arana: Não, não. São todos jogadores de alto nível, de qualidade. O Marciel estava até começando a se soltar nas brincadeiras do nosso grupo quando foi embora (risos). Eles merecem estar onde estão. O Pirulão trabalhou forte na base para isso. Vai dar muito certo lá fora.

Gazeta Esportiva: O seu grande parceiro de brincadeiras no Corinthians era o Malcom.
Guilherme Arana: Foi triste ele sair. Por outro lado, representou um grande progresso para a vida dele. A gente se conhece desde os 10 anos. Os caras até falam para mim: “Você está sozinho agora. O Malcom já não está mais aqui para te ajudar a zoar todo o mundo”. Só que vida de jogador é assim mesmo. Daqui a pouco, ele estará em outro lugar. Quem sabe até não volta para cá, e a gente se reúne de novo? Eu sabia que não ficaria do lado dele para o resto da vida.

Gazeta Esportiva: Já encontrou um substituto para o Malcom nas brincadeiras?
Guilherme Arana: Ah, o pessoal que subiu da base agora tem um pouco de medo de brincar com os caras. O Malcom e eu já brincávamos muito desde quando não estávamos fixos no time profissional. Isso fora de campo, né? Lá dentro, a gente trabalha sério.

Gazeta Esportiva: Você já era menos sério fora de campo desde os primeiros dias como profissional?
Guilherme Arana: Subi com o Mano Menezes. Naquela época, ficava um pouco mais quietinho. Aí, com o Tite, já estava mais solto. Eu me concentrava com o time e brincava bastante. Principalmente com o Gil.

Gazeta Esportiva: O Gil também saiu do Corinthians E agora?
Guilherme Arana: Agora, parei um pouco de brincar (risos). Estou sozinho, então os caras se juntam e vêm me zoar. Aí, não dá.

Gazeta Esportiva: O Uendel participa dessas brincadeiras? Ele parece ser mais sério.
Guilherme Arana: Você que pensa… Ele não é fechado, não. Brinca bastante também. Mas, como falei, a gente entra em campo e trabalha sério. É nas concentrações que pegamos no pé uns dos outros. São coisas de vestiário.

Gazeta Esportiva: Com os seus amigos de base distantes desse vestiário, o jeito tem sido recorrer ao WhatsApp e a outros aplicativos de troca de mensagens?
Guilherme Arana: É mais por Snap (Snapchat), né? Às vezes, o Marciel me chama lá. Com o Malcom, falo sempre no Whats, mas não temos um grupo só nosso. Essa ligação vai continuar a existir porque a gente sofreu tudo que o que tinha para sofrer junto. Ia de ônibus lotado treinar, voltava tarde, já acordava cedo no dia seguinte… Era f…! O Malcom e eu passamos por umas difíceis.

Gazeta Esportiva: Qual foi a mais difícil?
Guilherme Arana: Putz, teve uma vez em que acordei às 4 horas para jogar às 7 horas. O ônibus demorava muito a passar. Quando passava, vinha lotado. Até aí, beleza. Mas, para voltar, eu ficava em pé, dava uma cochilada, e a perna… Puf! (Ele fala dobrando o joelho para a frente, para mostrar a dormência do membro.) Aí, eu dizia: “Noss…!”. Mas vale a pena. A gente tem que correr atrás. Quem olha de fora acha que é fácil. Passei por tudo aquilo em busca de um sonho. A minha família sempre me incentivou a trabalhar forte, fez o máximo para eu ficar bem. Valeu a pena por tudo o que passei anteriormente. E mais conquistas virão em um futuro próximo.

Gazeta Esportiva: Aos 19 anos, você já consegue olhar para trás e ter esse sentimento de orgulho?
Guilherme Arana: Sim, sim. Estava até comentando com a minha família que eu via o Corinthians, e… Pô, eu era um moleque que nem imaginava que poderia ser campeão brasileiro.

Arana achou graça quando foi incitado a rivalizar com Uendel (foto: Djalma Vassão/Gazeta Press)
Arana achou graça quando foi incitado a rivalizar com Uendel (foto: Djalma Vassão/Gazeta Press)

Gazeta Esportiva: Você é quem foi campeão brasileiro, né? O Uendel, não (risos).
Guilherme Arana: Sim… Quer dizer, não, pô! O Uendel estava ali, fez parte. Jogou muitas partidas difíceis. Campeões são os dois, pô. Não tem essa (risos).

Gazeta Esportiva: Mas, quando criança, você era torcedor de frequentar arquibancada?
Guilherme Arana: Não. Fui só a um jogo do Corinthians, na época do Dentinho, no Pacaembu. O Corinthians ganhou porque sou pé-quente (risos). Mas me sinto muito orgulhoso de poder ajudar os meus pais, o meu irmão, todos eles, sendo jogador. Dou muito orgulho à minha família. O meu primo Felipe é novinho e vem fazendo uns testes agora. Está passando por tudo aquilo que eu passei. Aí, eu falo: “É, filho, tem que ralar”. Ele concorda.

Gazeta Esportiva: Ele já fez testes no Corinthians?
Guilherme Arana: Ainda não. Disse para ele ir com calma e trabalhar forte, que uma hora aparecerá alguma coisinha. Falei para ele seguir na luta. As conquistas virão.

Gazeta Esportiva: O moleque é bom de bola mesmo?
Guilherme Arana: Eu sou melhor (risos). Mas ele é bom, pô. Está novo ainda.

Gazeta Esportiva: Dá para ele ser um Uendel, então (risos)?
Guilherme Arana: Não, pô, o Uendel é bom! Os caras estão f…, querendo me queimar (risos).



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